Condenação de Lula marca transição do Estado de Direito para o Estado Midiático Penal. Por Djefferson Amadeus
Por Diario do Centro do Mundo - 12 de julho de 2017
Publicado no Justificando
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Este é um texto duro – ou melhor – duríssimo. Afinal, a condenação de Lula nesta quarta-feira (12), do modo como está posta, estabelece uma nova era: a idade mídia, ou seja: a transição do Estado Democrático de direito para o Estado midiático penal.
Isto porque, na idade mídia, tudo – ou quase tudo, no fundo – pode (ao mesmo tempo) ser e não ser. Isto é, as palavras podem dizer (e ao mesmo tempo) desdizer.
Assim, na idade mídia, o juiz pode dizer, na segunda-feira, que o “que não está nos autos não está no mundo”, e na terça-feira, por sua vez, afirmar que o “que não está nos autos não está no mundo”, salvo se se tratar de fato amplamente divulgado na mídia. Portanto, nem “boca da lei”, nem “dono da lei”; o juiz da era mídia é um “boca da opinião pública”.
O problema, porém, é que, quando isso acontece, o direito cede lugar à mídia, daí resultando, dentre outras coisas, o juiz avestruz; aquele que, para não tomar conhecimento da realidade, enfia a sua cabeça… na televisão ou nos jornais.[1]
Assim, se o avestruz, segundo alguns veterinários, enfia a cabeça no chão para escutar melhor a aproximação de algum inimigo, o juiz avestruz, por sua vez, põe a cabeça nos jornais e na televisão para saber o que a sua melhor amiga – a mídia – está dizendo que ele tem de fazer.
Por todos, cito o Juiz Sérgio Moro que, com base em notícias de jornais (pasmem, de jornais!) tentou utilizá-las, em juízo, para buscar – em uma atuação que mais parecia a de um acusador – “provas” contra Lula. Relembremos este triste episódio:
MORO: Saíram denúncias na folha de São Paulo, e no jornal O Globo de que…
LULA: Dr. não me julgue por notícias, mas por provas.[2]
LULA: Dr. não me julgue por notícias, mas por provas.[2]
Isto, talvez, explique por que muitos Juízes e Promotores, na era da idade mídia, façam tremendo sucesso em programas gravados, a exemplo de Moro e Dallagnol, mas, por outro lado, não façam o mesmo sucesso em audiências de instrução e julgamento. Nada mais natural – afinal, nas audiências, eles estão… “ao vivo”.
Eis o motivo pelo qual, no programa do Jô Soares, que costuma receber “celebridades” ao vivo, o Promotor Deltan Dellagnol, acreditando que toda a platéia levantaria a mão favoravelmente a ele, caso perguntasse se eram apoiadores à Lava-Jato, teve que amargar uma tremenda vergonha, porque, mesmo com a assistente de palco pedindo para que os convidados levantassem a mão, apenas três ou quatro pessoas demonstraram simpatia a ele.[3]
Parafraseando Steiner,[4] é possível afirmar que o juiz avestruz, por não ter coragem suficiente para enfrentar a opinião pública, dado ser ela a sua fonte de conhecimento, acaba não vivendo como si mesmo, mas como a mídia determina que ele viva.
Por isso, ao ser criticado pelos juristas ou por qualquer um que tenha o mínimo de compromisso com a Constituição, o juiz avestruz entende as vozes que o reprovam apenas como uma manifestação de inveja.
Ou seja: nos olhares de quem critica a sua covardia, por faltar-lhe coragem de enfrentar a opinião pública, o juiz avestruz só consegue enxergar uma coisa: “Criticam-me porque queriam seus nomes estampados nas capas dos jornais. Mas só há espaço para um herói: EU!”
Resultado: empurrado pelo anseio de querer ser um “herói” e, com isso, ver o seu rosto estampado nas capas dos jornais, o juiz avestruz, por conceber a vida como uma feira de vaidades, só conhece uma vergonha: a vergonha de não conseguir impressionar os meios sensacionalistas comunicação.
E ele age assim – muitas das vezes – sem perceber, porque sobre ele incide uma violência simbólica, isto é, uma violência que se exerce, segundo Bordieu, “com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com freqüência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la.”[5]
O direito, assim, acaba sendo – para o juiz avestruz – como o ar que respiramos: fundamental, essencial, indispensável, mas ninguém presta atenção nele.
Quanto a este ponto, aliás, vale rememorar que o Juiz Sérgio Moro, ao se deparar com um documento sem assinatura (portanto nulo ou inexistente, a depender da teoria que se adote), em vez de desentranhá-lo do processo, tentou utilizá-lo contra Lula, vejamos:
MORO: Tem um documento aqui que fala do triplex….
LULA: Tá assinado por quem?”
MORO: Hmm… A assinatura tá em branco…
LULA: Então o senhor pode guardar por gentileza![6]
LULA: Tá assinado por quem?”
MORO: Hmm… A assinatura tá em branco…
LULA: Então o senhor pode guardar por gentileza![6]
O que foi visto em todo o julgamento do ex-Presidente Lula foi uma tentativa (sem sucesso) de pôr em prática, como diria Millôr, um dos principais lemas da mídia autoritária: “julgar como se estivesse pisando nos ovos… do povo.”
E, naturalmente, o resultado é, se não apenas absurdo, cômico. Aliás, absurdo e comicidade são as principais características do juiz avestruz, porque, tomando de empréstimo a televisão como fonte de seu pensamento, todo o seu discurso é um acróstico[7] sobre o nome dos seus mestres: mídia, televisão, imprensa, jornal e etc.
O problema, porém, é que, com tal submissão a esses “mestres”, como bem observou Galeano, o juiz avestruz acaba reduzindo a justiça social à justiça midiática penal.[8] Assim, o contraditório, que deveria ocorrer no processo, acaba sendo transportado para o Jornal Nacional, com um detalhe: 30 minutos para a acusação e 30 minutos para o juiz. E a defesa? Bem, para a defesa sobra uma nota. E olhe lá…
O resultado está aí: um processo penal do espetáculo que, segundo Casara, “é construído para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa, em detrimento da função contramajoritária de concretizar direitos fundamentais.”[9]
O perigo da midiatização do sistema penal pode ser percebido, também, com a prática autoritária do que venho chamando de “inautêntico chamamento ao processo”; estratagema que tem sido utilizada por alguns Promotores de Justiça, quando, diante de uma decisão desfavorável, recorrem à mídia sensacionalista para criticar a atuação da magistratura, tal como sói ocorrer com a Juíza Cristina de Cordeiro, que tem sido perseguida por conta de sua atuação comprometida com o Estado Democrático de Direito.[10]
Isto me permite encerrar, parafraseando Millôr, que somente teremos um Estado Democrático de Direito no dia em que gastarmos mais com o ensino do que com a televisão e os cursinhos jurídicos, isto é, no dia em que gastarmos mais com a educação e a cultura democrática do que com a falta de educação.
Djefferson Amadeus é mestre em Direito e Hermenêutica Filosófica (UNESA-RJ), bolsista Capes, pós-graduado em filosofia (PUC-RJ), Ciências Criminais (Uerj) e Processo Penal (ABDCONST).
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