Voltamos ao tempo do “o cana da turma”?

POR  · 10/09/2016

wally
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É estarrecedora a reportagem do El País sobre a ação do Capitão do Exército Willian Pina Botelho junto a grupos de jovens que se manifestavam contra o governo Michel Temer.
É documentada e exige explicações públicas.
A ideia de que um oficial do Exército Brasileiro possa estar atuando clandestinamente – porque a lei não o permite, salvo em casa de ameaça externa, ação manifestamente terrorista ou a pedido dos governos estaduais – deste tipo de atividade clandestina fez lembrar dois episódios que minha geração viveu sob a ditadura.
Um, dramático e mortal, quando o capitão Wilson Machado, que escapou, e o sargento Guilherme do Rosário, que morreu, foram atingidos por uma bomba que carregavam no Riocentro, em 1981.

Outro, aparentemente prosaico, que marcou a  memória dos estudantes -como eu – dos anos 70, que era a do “cana da turma”.
Explico: era a convicção – não desarrazoada – de que em cada turma da Universidade tínhamos um  “cana”  a nos espionar.
Não era uma discriminação com pessoas – curiosamente, em minha turma, tínhamos duas pessoas com ligações familiares com oficiais de alta patente do Exército que foram e são pessoas absolutamente queridas  de todos os que vivemos aqueles tempos.
Não, o temor era de um sórdido, de um mentiroso, de um dissimulado, de alguém que se fingisse um amigo, sem o ser, para colher informações e incriminar jovens por suas ideias, já que, como diziam os Novos  Baianos, não havia entre nós alguém ” capaz de matar uma muriçoca”.
Era o medo de “um amigo”.
O Exército Brasileiro levou três décadas para recuperar o acatamento geral do país, por profissionalismo.
Melhor do que ninguém, nossas Forças Armadas sabem os desvios de conduta e de poder que a atuação repressiva lhes rendeu. Até porque acaba degenerando em formação de quistos dentro das organizações militares.
Mais ainda levamos nós para nos livrarmos da cultura do “dedurismo”, a criminalização das relações sociais, de desconfiança como regra de convívio.
É aterrorizante que instâncias paralelas ao seu comando usem militares para ações políticas.
É sintomático que, através do ministério da “Justiça”, com Alexandre de Moraes e do recriado Gabinete de Segurança Institucional, com Sérgio Westphalen Etchegoyen, as Forças Armadas fiquem sob a suspeita de atuarem como polícia política.

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