Derrotar o golpe, martírio ou chamado ao voto

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por Tereza Cruvinel - 21/04/2016

O governo Dilma Rousseff começou a cair no dia primeiro de fevereiro do ano passado, quando Eduardo Cunha elegeu-se presidente da Câmara derrotando o candidato do PT.  “Eles acreditaram em papai Noel”, disse Cunha algumas vezes saboreando a vitória. Agora, quando tudo desmorona, Dilma pode estar acreditando novamente em papai Noel quando recusa outras formas de resistência e finca pé na tática de se defender no Senado. “Vou até o fim em defesa de meu mandato, não por mim,  mas pelos 54 milhões que me elegeram”. “Irei aonde for preciso”, tem dito ela. A reversão no Senado é uma ilusão. Ali, como na Câmara, embora com mais sobriedade, os fatos e a lei serão torcidos e retorcidos pela maioria para produzir o golpe sem sangue, o impeachment ritualmente correto e sacramentado pela condução do presidente do STF. E Lula, assim como não ousou dizer a Dilma que ele devia ser o candidato em 2014, agora também pede ao PT que desista da estratégia de lançar uma campanha pela convocação de novas eleições presidenciais, com Dilma renunciando a dois anos de mandato. 

É compreensível o foco de Dilma, de preferir tombar como mártir em um processo que a História vai censurar. Que pense em sua biografia insistido em demonstrar que não cometeu crime de responsabilidade. Que pegaram atos de gestão, sempre praticados como decorrências financeiras conjunturais, e os transformaram em crimes de alta gravidade, torcendo a lei numa interpretação literal do que sempre foi relativizado. E o nome disso é julgar segundo as conveniências, o nome disso é injustiça.  O mundo já entendeu que se passa no Brasil uma nova forma de deposição de governante eleito, o golpe sem tanque e sem sangue, embalado no papel de seda da legalidade. Na historia que será escrita, Dilma poderá encarnar o mito de Joana Darc e de outras heroínas jogadas na fogueira. Mas para todos os que sofrerão as consequências no presente, derrotar o golpe é algo mais complexo.

Derrotar o golpe vai além de buscar uma improvável absolvição no Senado. Até porque, ainda que ela ocorresse, que condições de governabilidade teria Dilma, depois que apenas 137 deputados ficaram a seu lado na votação da Câmara?  Derrotar a urdidura dos últimos dois anos é impedir a instalação de um governo sem voto, contestado e decidido a implantar uma agenda contrária à do Governo em que Temer foi vice por quase seis anos e o PMDB cevou seu leonino apetite fisiológico. É evitar o retrocesso com a imposição de uma agenda que não foi vitoriosa nas urnas, ainda que Dilma tenha adotado propostas contrária ao que prometeu, no desespero para salvar seu segundo mandato do cerco que começou no dia seguinte à eleição de 14.

Mas uma campanha pró-diretas lançada pelo PT, partidos de esquerda e movimentos sociais  não terá a mesma força que uma iniciativa de Dilma, enviando uma mensagem ao Congresso em que reconhece a crise de governabilidade e contesta o processo de impeachment como remédio para a situação, propondo emenda constitucional que estabeleça a realização de nova eleição de presidente e vice juntamente com o pleito municipal de outubro. Contra a ingovernabilidade, a Constituição não propôs remédio. Ele só pode vir das urnas. Em sua fala de hoje na cerimonia anual de Ouro Preto, palco da Inconfidência, o governador Fernando Pimental aproximou da proposta de chamado ao voto quando disse: "É ao voto que devemos recorrer em momentos de graves crises. Daqui a voz de Minas Gerais em defesa do primeiro e mais valioso princípio democrático: a eleição direta e o voto popular".

Muitos dizem que tal emenda não passaria pois o PMDB não largará mais o osso. Mas o PMDB não tem sozinho um quinto do Congresso. Se outros partidos ficarem sensíveis, especialmente os que se sentem desconfortáveis com o impeachment e suas excentricidades, inclusive a sessão vergonhosa da Câmara,  como é o caso do próprio PSDB, um acordo neste sentido poderia ser costurado, impulsionado pelo movimento que viria das ruas. O assunto já ferve nas redes sociais.

Todos lançariam seus candidatos, a campanha seria curta e sem dinheiro empresarial. E quem vencesse, faria parte do pacto, teria sua legitimidade reconhecida e o compromisso dos adversários de fazer oposição mas não bombardeio desestabilizante, como foi feito com Dilma. A Lava Jato teria garantias de seguir seu curso, dentro do devido processo legal.

Fora disso, quem não acredita em Papai Noel já sabe o que nos espera.

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