Fernando Brito: Meu romance policial
Autor: Fernando Brito
Sábado, depois de um feriado, posso dar vazão às minha tolas pretensões literárias e pensar num romance.
O narrador é um repórter, um sujeito meio outsider, espécie de mescla entre os tiras honestos dos romances de Rubem Fonseca e os tipos fantasiosos dos personagens de Carlos Heitor Cony.
E este cidadão, pária entre seus colegas que “subiram na vida” era ávido leitor de romances policiais, de Aghata Cristhie a Frederick Forsyth, que seus pobres dinheiros permitiam-lhe comprar em sebos e ler nas suas longas viagens de ônibus. Apeteciam-lhe as tramas intrincadas, com desfecho surpreendente; era sua paixão.
O crime, aprendera ele mo meio século de vida que arrastava, era tão mais complicado quanto mais alto o seu valor e criminoso.
Havia algo que o incomodava: não acreditar em coincidências.
E, muito menos, que os grandes ladrões fossem burros, primários. Fossem assim, estariam gramando de sol a sol pela sobrevivência.
Por esta simplória razão, ficava se indagando indagando porque os donos das maiores empreiteiras do seu país, pós-graduados em pagar propina e desviarem dinheiro do Fisco, teriam escolhido um doleiro “manjado”, recém- condenado por desviar milhões através das contas de um banco, num caso de repercussão nacional, e que tinha escolhido o caminho da deduragem como forma de ter sua pena suspensa e ficar em liberdade, num acordo com promotores e um jovem juiz da província.
Um juiz que não escondia de ninguém que sonhava em fazer uma “Operação Mãos Limpas” no seu país, publicando, no mesmo ano em que tinha o tal doleiros nas mãos, artigos dizendo que havia “condições necessárias para algo semelhante. Assim como na Itália, a classe política não goza de grande prestígio junto à população, sendo grande a frustração pelas promessas não-cumpridas após a restauração democrática”.
Juiz que tinha, também, em suas mãos limpíssimas, um deputado federal, em nome do qual um cheque foi encontrado nas mãos do doleiro “colaboracionista”, aliás dois, o outro do Sindicato dos Policiais Federais.
Durante anos a fio, em diversos casos, o juiz mantém o deputado e outros a eles ligados sob seu poder e vigilância, embora não os afaste de seus achaques. Que são, curiosamente, operados pelo doleiro do qual é o dono da liberdade concedida.
Até que um dia cai nas mãos de um jornalista um rabisco do juiz, aquelas folhas de papel em que se vai desenhando e escrevendo palavras a esmo, em situações enfadonhas como longos depoimentos, onde estão as palavras ENI (Ente Nazionale di Idrocarburi ) ex-estatal italiana de petróleo, a partir da qual se desenvolveu a Operação Mãos Limpas e a palavra “trappola”, armadilha na língua romana.
E então começa a longa caçada do jornalista sobre aquela estranha coincidência, onde ele descobre que os personagens da corrupção vão sendo plantados e controlados à distância pelo juiz maquiavélico, até que ele decide por em marcha a engrenagem que fará cair em suas mãos limpíssimas “o maior escândalo de corrupção daquele país”.
E como ele se projeta, com o auxílio da mídia, como a expressão da vergonha que substitui o orgulho, paulatinamente, como definidor do sentimento nacional.
De maneira paciente, disciplinada e fria, ele constrói o caminho para o poder.
O romance, claro, passa-se em um país imaginário.
E, como todo texto ficcional, não guarda com a realidade senão eventuais e meras coincidências.
Aquelas em que meu personagem não acreditava.
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