Perito da Polícia Federal diz que áudio entregue por Cunha foi forjado

O feitiço vira contra o feiticeiro. O velho ditado parece cair muito bem para o caso da gravação entregue como “denúncia” pelo candidato a presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Isso porque um perito da Polícia Federal, ouvido pela Folha de S. Paulo, analisou o áudio e o classificou como armação o que Cunha chama de “alopragem” para envolvê-lo como receptor de propina na Operação Lava Jato.


Cunha disse que foi "alopragem", mas o chefe do serviço de análise de áudio e vídeo da Polícia Federal, André Morrison, afirma que é fraudeCunha disse que foi "alopragem", mas o chefe do serviço de análise de áudio e vídeo da Polícia Federal, André Morrison, afirma que é fraude
O perito ouvido pelo jornal é  André Morrison, que chefia o serviço de análise de áudio e vídeo da Polícia Federal e preside a Associação Nacional dos Peritos. Segundo ele, o principal indício de que o material é forjado é a falta de naturalidade na fala dos dois homens que conversam sobre Cunha. “A falta de naturalidade na fala é muito acentuada. Parece que estão lendo um texto. Isso é indício de armação”, disse o perito, ressaltando ainda que a análise da frequência da gravação confirma que não se trata de uma conversa por telefone. 


A gravação foi divulgada por Cunha no sábado (17) e também entregue por ele à Polícia Federal. No áudio, um homem se apresenta como policial e diz que foi sondado pelo delegado-chefe. “O negócio está ficando feio“, teria dito o policial em tom de ameaça. E continuou: “Está todo mundo enchendo as burras de dinheiro e eu estou abandonado e duro, sem grana”. O diálogo continua com um suposto interlocutor do deputado que para acalmar o suposto “policial ameaçador” promete remunerá-lo.

Alopragem?

Na coletiva em que Cunha divulgou o áudio, o deputado foi enfático ao afirmar que a gravação seria uma ação dos opositores de sua campanha à Presidência da Câmara, classificando como “alopragem”. O principal adversário da campanha de Cunha é Arlindo Chinaglia (PT-SP), que conta com apoio da ala mais progressista da Câmara.

Sem citar nomes, Cunha disse que a gravação foi entregue por um homem que também se dizia policial federal e que lhe garantiu que a “cúpula da PF” pretendia anexar o material ao processo que investiga o doleiro Aberto Youssef e a relação de nomes de autoridades que recebiam propinas da Lava Jato, cujo parlamentar foi citado entre os beneficiados.

O perito da PF afirma que o principal indício de que o texto foi lido é o fato de não haver sobreposição nem interrupção de diálogos, como acontece normalmente numa conversa. “A fala tem um ritmo e uma entonação natural. Aquela fala não tem naturalidade alguma. Há sinais de que foi uma conversa acordada”, salientou Morrison.

Morrison afirma ainda que no final do diálogo, o padrão da conversa sofre uma mudança abrupta, sinal de que a leitura foi interrompida e os dois iniciam um diálogo mais natural.

Outro perito

Nem mesmo Ricardo Molina – que em 2010 disse que uma bolinha que atingiu a careca de José Serra era uma pedra – quis arriscar em confirmar a veracidade da gravação e foi enfático ao dizer se tratar de um diálogo armado. “No caso em tela podemos afirmar, com bastante segurança, que não se trata de uma conversação espontânea, e por vários motivos”, disse ele, que afirma enfaticamente que “os dois interlocutores estão seguindo um script previamente elaborado, não necessariamente lido durante a interação, mas visivelmente planejado (...) A gravação não pode ser considerada autêntica, no sentido em que retrata apenas uma encenação”.

Passado de Cunha o condena?

Segundo matéria publicada na revista CartaCapital, Eduardo Cunha foi denunciado em 2010 pelo Ministério Público Federal por uso de documentos falsos. A falsificação teria ocorrido em 2002, quando ele se defendia, perante o Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, da acusação de ter cometido irregularidades à frente da companhia estadual de habitação, a Cehab. Segundo o Ministério Público, Cunha teria fraudado licitações para favorecer a construtora de um colega de partido. Na época, Cunha estava no PPB, hoje PP. A acusação levou a demissão de Cunha da Cehab.

De acordo com a publicação, a falsificação dos documentos foi atestada pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli em 2008. Depois o “autor” da farsa aparece como sendo o subprocurador de Justiça do Rio no ano 2002, Elio Fischberg. Segundo o processo, Fischberg assume ter sido o responsável pela falsificação da assinatura de procuradores chegando até a emitir uma certidão posteriormente usada por Cunha para ser inocentado no TCE.

Mas isso não convenceu o Ministério Público Federal que viu conluio entre Fischberg, Cunha e o seu então advogado, Jaime Cukier. Os três viraram réus na Justiça. Fischberg foi condenado e expulso do MP, em 2012, além de ter sido multado em R$ 300 mil e obrigado a prestar serviços comunitários. Cukier foi absolvido por falta de provas.

Por ser deputado, ou seja, ter foro privilegiado, o processo contra Cunha foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2013 abriu a ação contra ele. A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma Fischberg produziu os papéis falsos a pedido de Cunha, já que não haveria razão para ele cometer a fraude por conta própria.

“É verdade que não há como formar certeza absoluta de que o acusado entrou em conluio com Elio Fischberg para a produção dos documentos falsos”, diz a procuradoria. E completa: “Mas é ainda mais verdade que, de acordo com as provas dos autos, o grau de probabilidade de ele ter entrado é altíssimo e que qualquer alternativa de configuração dos fatos simplesmente não faz sentido, caindo na chave de uma possibilidade frívola, de uma conjectura fantasiosa”.

Contudo, no ano passado o STF arquivou o caso, por entender que não havia prova de que o parlamentar soubesse da falsidade dos documentos.

Da redação
Com informações da CartaCapital e agências

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