Luis Nassif: O detestável espírito de linchamento

Sempre detestei o clamor da turba, o efeito-manada, os justiceiros praticantes da lei de Talião.
No meu livro "O jornalismo dos anos 90" detalho vinte casos de crimes de imprensa, perpetrados através da exacerbação da opinião pública.
Fui o primeiro a investir contra o linchamento da Escola Base, do Bar Bodega, do deputado Alceni Guerra, da CPI dos Precatórios entre outros. Sempre me chocou a ideia de que não importa atingir alguns inocentes, se puder pegar vários culpados.

Fui alvo de uma campanha infame por parte de blogueiros da revista Veja sem que nenhuma pessoa ou entidade se manifestasse, mesmo tendo defendido dezenas de vítimas ao longo de minha carreira jornalística. E não se manifestaram porque tinham medo de investir contra a mídia e investir contra efeitos-manadas.
Não é à toa que nos vinte episódios narrados em meu livro fui praticamente o único jornalista e me colocar na posição oposta às dos linchadores. O jornalismo amarela quando confrontado com uma maioria babando sangue e investindo em direção ao suspeito.
Enfatizo esses dados para afirmar que o Brasil não possui uma tradição de respeito aos direitos individuais. Os jornalistas que se escandalizam com a quantidade de assassinatos anuais no país não se dão conta de que a raiz da violência é a mesma: o total desrespeito aos procedimentos e aos direitos individuais praticados por eles, quando do outro lado estão "inimigos".
Nos 80 anos de Folha, participei de uma mesa na qual uma colega - dessas que gosta de jogar para a plateia - enalteceu o poder purificador da mídia pelo fato de que, naquele dia, as manchetes noticiarem que o então senador Jáder Barbalho havia sido algemado.
Questionei seu entusiasmo. O aval dado à polícia para algemar um senador, significa o salvo-conduto para delegados torturarem desassistidos na periferia.
O que mais causa espanto é a complacência de autoridades para com esses procedimentos, "desde que seja a nosso favor".
Aceita-se piamente - como ocorreu com Joaquim Barbosa e os inacreditáveis procuradores do Distrito Federal - que se abram inquéritos em cima de supostas denúncias de supostas testemunhas anônimas, como ocorreu com o grampo no Planalto. Mentirosos! Muitos inquéritos são abertos com base em notinhas plantadas em colunas de jornal - provavelmente pelas mesmas pessoas.
Ora, não há nenhum freio a esse poder absurdo conferido a procuradores, delegados e jornais. Sem freios, sem filtros, o que impedirá os abusos?
Sabendo que o simples fato de jogar seu nome em uma nota plantada trará consequências enormes, o que impedirá jogadas de chantagem contra empresários?
Muitos anos atrás, o saudoso comandante Rolim Amaro, da TAM, me confessou ter cedido a uma chantagem. Ele brigava com a Receita em torno de uma interpretação fiscal qualquer. Me dizia ter o parecer de meia dúzia de tributaristas a seu favor. Mas foi procurado por um delegado que informou que o caso vazaria para os jornais e ele seria intimado a comparecer à delegacia, com toda a mídia sendo informada. Qual o custo para a companhia? Cedeu.
A complacência geral com os vazamentos é incompreensível. Os inquéritos sobre vazamentos não andam, as chefias do MInistério Público e da Polícia Federal, assim como o MInistro da Justiça, são condescendentes, e os magistrados garantistas estão intimidados.
Por trás de tudo isso, misturam-se várias personalidades.
Há os justiceiros, como Sérgio Moro, que descrentes da isenção dos tribunais superiores - com toda razão, após o trancamento da Satiagraha e da Castelo de Areia - pretende que a justiça se faça através das prisões preventivas e do noticiário da mídia.
Há os preguiçosos que em vez de correr atrás de provas ficam aguardando a comodidade da delação premiada.
Há os investigadores sérios, que trabalham longe dos refletores mas se incomodam com o fato de quem busca os holofotes ficar com o mérito.
E certamente há os chantagistas.
O que se espera é que todos os culpados sejam exemplarmente punidos. Mas com os meios corretos.

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