José Sócrates passou a noite nos calabouços da PSP e será ouvido hoje

Sócrates é um dos quatro suspeitos em investigação sobre fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. É a primeira vez que um ex-primeiro-ministro é detido. Detenção ocorreu à chegada ao aeroporto de Lisboa. Um empresário, um advogado e um motorista são os outros detidos.
José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa, à chegada de Paris PAULO PIMENTA

O ex-primeiro-ministro José Sócrates foi detido na noite desta sexta-feira no âmbito de um processo em que se investigam crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, confirma uma nota da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os outros três detidos neste caso dormiram no Estabelecimento Prisional anexo à Polícia Judiciária, confirmaram fontes prisionais ao PÚBLICO, enquanto Sócrates passou a noite nos calabouços do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP.

José Sócrates foi detido no aeroporto da Portela, em Lisboa, pelas 23h10, quando regressava de Paris. Foi fotografado a sair do Departamento Central de Investigação e Acção Penal à 1h19. Deverá ser presente neste sábado ao juiz de instrução Carlos Alexandre.
Já neste sábado a Procuradoria-Geral da República emitiu um novo comunicado, em que revela a identidade dos outros três detidos. São eles o empresário Carlos Santos Silva (ex-administrador do Grupo Lena e grande amigo de José Sócrates), Gonçalo Trindade Ferreira (advogado na Proengel, uma empresa de Carlos Santos Silva) e ainda o motorista João Perna. A PGR não confirma assim que Joaquim Lalanda de Castro (representante em Portugal da Octapharma, a multinacional farmacêutica para a qual o ex-primeiro-ministro trabalha desde 2013) tenha sido detido como avançou o jornal Sol.

"Esclarece-se também que este inquérito teve origem numa comunicação bancária efectuada ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais, Lei n.º 25/2008, que transpôs para a ordem jurídica interna Directivas da União Europeia", acrescenta o novo comunicado da PGR.
No início da madrugada, a PGR já tinha revelado que "no âmbito de um inquérito, dirigido pelo Ministério Público e que corre termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), e onde se investigam suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, na sequência de diligências, desencadeadas nos últimos dias, foram efectuadas quatro detenções. Entre os detidos encontra-se José Sócrates", diz o comunicado da PGR.
Como salienta a Lusa, esta é a primeira vez na história da democracia portuguesa que um ex-primeiro-ministro é detido para interrogatório judicial.

Este é um caso que promete agitar não só o meio judicial, mas igualmente a política portuguesa, numa altura em que António Costa vai ser eleito neste sábado secretário-geral do Partido Socialista, depois de ter vencido as eleições primárias para candidato a primeiro-ministro. Costa
Ao Campus da Justiça na manhã deste sábado já chegaram alguns advogados. “Trabalho como advogado e eventualmente representarei o engenheiro José Sócrates”, disse João Araújo. Questionado sobre o que falta para acompanhar o ex-primeiro-ministro neste processo, o advogado disse que falta “outorgar uma procuração”.
A advogado Paula Lourenço, que já defendeu a empresa JP Sá Couto num caso de alegada fraude fiscal e representou Charles Smith e Manuel Pedro no processo Freeport, também está no Campus da Justiça, mas não quis dizer quem representa.
O inquérito, apurou o PÚBLICO, está a ser conduzido pelo procurador Rosário Teixeira, está em segredo de justiça e "investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível", diz ainda a nota emitida já depois da meia-noite pela Procuradoria.

O comunicado da PGR diz ainda que a presente investigação não teve origem no processo Monte Branco, informação que o PÚBLICO também confirmou. No Verão, a revista Sábado tinha noticiado que o ex-primeiro-ministro estava a ser investigado no âmbito do processo Monte Branco, algo já então desmentido pela PGR. Sócrates reagiu então, afirmando que nunca teve "contas no estrangeiro" e que esta notícia tinha "motivação criminosa": "É canalhice que visa difamar-me", disse no seu comentário na RTP.
Mais três detidos
Na investigação que agora decorre, 
"três dos detidos foram presentes ao juiz de instrução criminal durante o dia de sexta-feira, sendo que os interrogatórios serão retomados este sábado. Também este sábado, o quarto arguido será presente ao juiz de instrução. Foram ainda realizadas buscas em vários locais, tendo estado envolvidos nas diligências quatro magistrados do Ministério Público, e 60 elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Polícia de Segurança Pública (PSP), entidades que coadjuvam o Ministério Público nesta investigação", acrescenta o comunicado da PGR.
Segundo o Sol, a casa de José Sócrates no centro de Lisboa foi um locais onde decorreram buscas, assim como uma empresa em Alvalade onde o ex-primeiro-ministro terá arrendado umbox onde guarda documentação.
Sócrates acabou por ser detido por membros da Autoridade Tributária e da PSP que têm estado a colaborar com o magistrado Rosário Teixeira, e que é também o responsável pela investigação ao Grupo Lena, cuja sede foi na tarde de sexta-feira alvo de buscas.
José Sócrates, de 57 anos, foi primeiro-ministro de Portugal entre Março de 2005 e Junho de 2011. Foi o primeiro socialista a governar com maioria absoluta, tendo deixado o Governo após o pedido de ajuda à troika de credores internacionais em Junho de 2011. 
Depois dos mais de seis anos de governação, Sócrates mudou-se para Paris, onde estudou, afastando-se da vida política portuguesa. Em Março de 2013, regressou à ribalta, com uma entrevista à RTP, e em Abril desse ano tornou-se comentador da estação pública, com um programa semanal, ao domingo.
Nesse entrevista à RTP, Sócrates foi confrontado com as acusações de ter uma vida de luxo em Paris. “Tenho uma só conta bancária há mais de 25 anos. Nunca tive acções, off-shores, nunca tive contas no estrangeiro. A primeira coisa que fiz quando saí do Governo foi pedir um empréstimo ao meu banco”, explicou então.
O nome do ex-primeiro-ministro já tinha sido envolvido em alguns processos judiciais, como o licenciamento do empreendimento Freeport em Alcochete e as polémicas escutas do processo Face Oculta, mas nunca a justiça tinha ido tão longe em relação a Sócrates.

Comentários