Marina Silva não explica como fará para negociar com o Congresso
Ao lançar programa de governo, candidata do PSB ao Planalto reafirma ideia de dialogar com os bons quadros. Plano diz que modo atual de financiamento de campanha distorce política, mas não aponta solução
por Eduardo Maretti e João Peres, da RBA
São Paulo – A candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva, não explicou como pretende dialogar com o Congresso para garantir a aprovação de projetos prioritários para seu eventual governo. Durante entrevista coletiva após lançamento de seu programa de governo, hoje (29), na zona oeste de São Paulo, ela se saiu novamente com a ideia de dialogar com os melhores quadros da política, e não respondeu como será a relação com grupos historicamente associados à troca de favores.
“Não queremos ir pelo caminho mais fácil, que é conseguir maioria distribuindo pedaços do governo para que cada partido possa chamar de seu. Queremos construir uma governabilidade em cima de programas. Tenho certeza que as pessoas de bem de todos os partidos se disporão a ajudar”, disse, reafirmando a visão de que as democracias “estáveis” têm a formação de maiorias em torno de projetos, e não de acordos partidários.
Marina tampouco explicou como pretende garantir que o PSDB, que fez oposição a praticamente todos os projetos do governo do PT ao longo de 12 anos, repentinamente passará a contribuir para sua gestão. “Não acredito que o PSDB, que historicamente tem compromisso com a estabilidade econômica, vai ser negligente com esses objetivos só porque ganhamos o governo. Pretendemos, sim, conversar com o Lula, com o Fernando Henrique, e pode ter certeza de que vai ser mais fácil do que conversar com o Sarney e com o Antônio Carlos Magalhães, ou ficar refém do PMDB.”
As 242 páginas do programa de governo lançado hoje em um espaço de eventos em Pinheiros, na capital paulista, são abertas pelo capítulo a respeito da “democracia de alta intensidade”. O plano tampouco explica como Marina pretende solucionar a construção de uma maioria legislativa que lhe permita governar, nem detalha como seria a reforma política que é proposta.
O partido admite que o sistema atual provoca distorções ao permitir peso excessivo de empresas privadas e fala em promover mudanças no modo de financiamento de campanhas, mas não fala em como seria um novo modelo nem declara preferência pelo financiamento público, falando apenas em garantir transparência nas doações eleitorais.
“Para deflagrar o processo de reforma política, vamos sugerir medidas iniciais que levarão à reconfiguração integral do sistema político e eleitoral do país”, diz o plano de governo, que fala ainda em explorar as possibilidades de participação da população por meio de plataformas na internet.
Entre os pontos centrais elencados no programa estão a unificação do calendário geral das eleições, com o fim da reeleição e a adoção de um mandato de cinco anos. Outras sugestões passam por mudar a distribuição de tempo de campanha com “base em novos critérios”, que tampouco são detalhados, e permitir a convocação de plebiscitos e referendos, mecanismo já previsto na Constituição.
Ao comentar as declarações dadas pelo vice-presidente da República, Michel Temer, a respeito de como seria seu modo de governar, Marina preferiu evitar críticas diretas, uma tarefa delegada ao vice, Beto Albuquerque. “Não pode ser chamado de autoritário quem chama a sociedade para fazer um programa de governo. Talvez autoritário seja imaginar que apenas se pode governar com os partidos, sozinhos”, disse a candidata.
Hoje, durante palestra em Porto Alegre, Temer, do PMDB, fez um alerta à linha de raciocínio adotada pela ex-senadora. "É preciso ter muito cuidado com essas pregações referentes a governar com pessoas e não com instituições", declarou. "Porque nós levamos muito tempo para ter instituições sólidas no nosso país. Essa visão é um pouco autoritária. No mundo todo temos exemplos de gente que quis governar por contra própria. No Brasil também."
Beto Albuquerque, do PSB, adotou linha mais dura na crítica, como tem feito desde que foi escolhido para a função, há pouco mais de uma semana, preservando Marina de soar ríspida em público. “Autoritários são aqueles que querem governar só com os partidos. Aqueles que querem repartir o Estado em troca de minutos na TV. Nosso governo não será analógico. Será digital”, disse o vice, que na semana passada negociou com integrantes do PMDB de Temer e do agronegócio o apoio a sua candidatura.
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