Recordar lições importantes da Guerra Fria

The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Segundo, Obama, Merkel & Co. estão tentando aplicar a Putin uma jogada temerária,[1] na esperança de que Putin esteja blefando e que a Rússia aceite um Banderastão governado por neonazistas, que será histericamente russofóbico, membro da OTAN e, sem dúvida possível, será convertido em estado fantoche anglo-sionista, feito Polônia ou Letônia. Mas isso, meus amigos, nunca acontecerá.

The Saker
Se as últimas 24 horas provaram alguma coisa, foi, mais uma vez, que EUA e OTAN opõem-se a todas e quaisquer modalidades de negociações, de medidas para construir confiança ou qualquer outro tipo de negociação com o Donbass e com a Rússia. 

Por mais que Putin tenha realmente se esforçado para falar em tom de acomodação e mostrar-se aberto a uma solução negociado, a política de EUA/OTAN é visivelmente política de provocação e confrontação contra a Rússia e seus aliados, em todos os pontos e modos imagináveis.

O mesmo vale, é claro, para dos doidos da junta golpista, cujas forças agiram com brutalidade crescente nas operações repressivas na cidade de Mariupol. Quanto ao Império Anglo-sionista está organizando o diabo em matéria de manobras militares na Polônia, nos Estados Bálticos e em outros pontos.

Bem logicamente, muitos de vocês estão chegando à conclusão de que possibilidade real de guerra existe, e muito real; assim sendo, quero repetir aqui, mais uma vez, algumas coisas.

Regiões federalistas na Ucrânia
Primeiro, não há opção militar para os anglo-sionistas na Ucrânia, pelo menos não contra a Rússia. Isso, basicamente efeito de três fatos: geografia, a excessiva distensão, superforçada, dos EUA no espaço; e a política dos EUA. Geografia: é muito mais fácil para a Rússia mover forças em solo para a Ucrânia, do que para os EUA/OTAN, especialmente no que se trate de unidades pesadas (mecanizadas, armadas, blindados, tanques).

Segundo, há número gigantesco de forças norte-americanas já comprometidas em guerras em vários pontos do mundo, para que os EUA possam manter grande guerra contra a Rússia no leste da Europa.

Terceiro, por hora, a opinião pública ocidental ainda está sendo engambelada pelo servicinho da imprensa-empresa ocidental, que continua a inflar a ficção de que os russos não passariam de “tigre de papel”. Mas no instante em que houver combates reais, europeus e norte-americanos rapidamente começarão a pensar melhor, sobre se vale a pena morrerem tantos dos seus, pela Ucrânia. Porque, se começar guerra real entre EUA e Rússia, todos nós estaremos na linha de tiro (mais sobre isso, adiante).

Lembram-se como a mesma imprensa-empresa garantia que os infelizes militares russos, mal equipados, mal treinados, mal comandados, mal motivados jamais conseguiriam romper a “carapaça” dos militares georgianos treinados pela OTAN?

Em segundo lugar, temos de lembrar que nunca se podem opor forças sobre uma folha de papel e “declarar” que “A” é mais forte que “B”. Não faz sentido. Afeganistão e Iraque são exemplos perfeitos do tipo de conclusão errada a que pode ser arrastado um líder político autoiludido, se começar a acreditar, ele também, nas próprias mentiras.

Assim sendo, sem cometer o crime dos crimes no campo político e sugerir que os militares norte-americanos seriam invencíveis – e absolutamente não são –, permitam-me sugerir o seguinte:

– se se criar situação em que as forças convencionais russas estejam sob risco de serem derrotadas, toooooooooooooooooooodos podem ter total, absoluta, certeza de que a Rússia mobilizará suas capacidades táticas nucleares, ponto no qual a situação escalará para um bem conhecido impasse de Guerra Fria.

A Teoria da Contensão sugere que você responde no mesmo nível, mas não em nível superior, contra o primeiro movimento do seu adversário. Assim sendo, um ataque nuclear tático russo contra, digamos, a Polônia, ou mesmo contra a Ucrânia, teria de ser respondido por ataque similar norte-americano. Mas... onde? Onde está o equivalente russo da Polônia, para os EUA? Bielorrússia? Mais provável um ataque russo ao Canadá, realmente pertinho dos EUA. Atacariam onde? No Cazaquistão? Seria ridículo, é longe demais. Armênia? Obviamente não. Quero dizer: os EUA retaliariam ONDE?

Ucrânia - região do Donbass
Contra forças russas no Donbass, mas é logo ali, do outro lado da fronteira. Talvez, contra território da própria Rússia? Mas, nesse caso, o que faria a Rússia? Atacaria a Polônia? A Alemanha? Resposta “equivalente” seria ataque no território dos EUA, é claro, mas seria como convocar retaliação em escala total, pelos EUA, depois do qual, inevitavelmente, viria ataque russo, também em escala total. E, dado que um lado jamais conseguirá desarmar o outro, estamos falando de guerra atômica à moda do Dr. Fantástico [orig. à la Dr. Strangelove], com inverno nuclear e tudo.

Há de haver quem considere ridículo esse raciocínio, mas qualquer pessoa que tenha participado da Guerra Fria pode testemunhar que os melhores cérebros dos EUA e da URSS operavam, em tempo integral, em torno dessas questões. E sabem o que concluíram? Que não é possível vencer guerra atômica. Mas, também, que nenhuma guerra entre EUA e Rússia poderá jamais ser vencida nem por um lado nem pelo outro, porque qualquer guerra entre EUA e Rússia inevitavelmente se converterá em guerra atômica, antes que o lado mais fraco renda-se.

Permitam-me oferecer formulação tola, mas bem verdadeira: a sobrevivência dos EUA depende de a Rússia não perder guerra alguma. É. É isso mesmo. E a inversa também é verdade: a sobrevivência da Rússia depende também de os EUA não serem derrotados.

Sergey Lavrov
Por isso o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguey Lavrov vive a repetir e repetir que nenhum dos lados pode sentir-se seguro à custa da segurança do outro lado; e que segurança tem de ser coletiva e, mesmo, mútua. Mas quem lhe dá ouvidos, do outro lado do Atlântico?

Claro que por hora e considerado o futuro perscrutável, essa verdade só valerá para guerra que oponha diretamente forças militares russas e dos EUA. Guerras em distância (guerras por procuração), tudo bem; tudo bem também com guerras clandestinas e guerras contra terceiros. Mas por enquanto, só Rússia e EUA têm as capacidades nucleares de pleno espectro necessárias para destruir completamente o outro lado, “não importa o que aconteça”. Explico melhor.

Diz-se com frequência que as forças nucleares russas e dos EUA têm de estar em alerta máximo e que, para evitar ser destruídas num contra-primeiro-ataque militar, o contra-ataque tem de ser ordenado enquanto os mísseis do outro lado estão viajando e antes de que atinjam os alvos. Fato é que os dois países praticam o que se conhece como “lançado sob ataque”, que significa ser lançado ao mesmo tempo em que alguns mísseis inimigos já acertaram alvos. Mas a verdade é que os dois países, EUA e Rússia, podem também fazer o que se chama “atacar acima do ataque” completamente, e, mesmo assim, ainda ter armas nucleares estratégicas em quantidade suficiente para destruir toda a população dos centros chaves do lado oposto. É consequência das forças nucleares estratégicas de alta redundância. Assim sendo, se, digamos, os EUA conseguirem destruir, digamos, todos os bombardeiros russos e todos os silos nucleares russos, e todos os submarinos e respectivos mísseis nucleares estratégicos que transportem, inclusive os que estejam no porto (e que podem ser lançados de lá mesmo, se necessário), a Rússia ainda assim teria número suficiente de road-mobile ICBMs para varrer do mapa do mundo os EUA como país.

E o mesmo se pode dizer de um primeiro-ataque russo contra os EUA, o qual, ainda que venha a ser irrealisticamente bem-sucedido, mesmo assim exporá a Rússia a uma retaliação massiva, a partir dos submarinos armados com bombas atômicas da Marinha dos EUA. E, no mundo real, nenhum primeiro ataque é 100% bem sucedido. 95% de sucesso é péssimo resultado, se os 5% restantes são armas atômicas viradas para o seu lado.

Bombas nucleares da OTAN armazenadas na Turquia
Civis costumam reclamar que Rússia e EUA têm armas atômicas em quantidade suficiente para destruir várias vezes o planeta, como se fosse sinal de loucura. É exatamente o contrário: é porque Rússia e EUA têm capacidade, em tempo de paz, para destruir várias vezes o planeta, que, em tempo de guerra, nem um lado nem o outro pode sequer delirar com obter algum primeiro ataque e evitar retaliação massiva. Sim, sim, no mundo da bomba atômica, mais é melhor, pelo menos no que tenha a ver com o que se conhece como “estabilidade de primeiro ataque”.

Eis o que realmente destaca Rússia e EUA, dentre todas as nações da Terra: nenhuma outra potência nuclear tem força nuclear com capacidade para sobreviver ao primeiro ataque que se compare à de Rússia e EUA, no atual momento e em futuro próximo; todas as demais potências podem ser desarmadas logo ao primeiro ataque.

Deixem-me dar mais um exemplo de como a guerra nuclear é contraintuitiva, em vários sentidos da palavra. Ouve-se falar muito de níveis de alerta (os DEFCONs, nos EUA), e assume-se que melhor seria sempre estar num nível abaixo de alerta. Nada disso. De fato, quanto mais alto o nível de alerta, melhor, do ponto de vista da estabilidade de primeiro ataque. Eis por quê:

Em tempos de paz, (DEFCON 5), a maior parte dos bombardeiros estão pousados nos aeroportos e pistas, a maioria das tripulações está ocupada em treinamento, a maioria dos submarinos estão atracados nos portos e a maioria do pessoal crítico está ocupado com as respectivas tarefas diárias. É quanto essas forças são mais vulneráveis a um primeiro ataque que as desarme. Em níveis mais altos de alerta, as tripulações são convocadas para as bases; em níveis ainda mais altos, já estarão acomodadas dentro dos aviões, com motores acionados; e no nível máximo, os bombardeiros estarão com motores ligados em máxima rotação; os submarinos estarão já no mar; todo o pessoal estará nos respectivos postos e, nos EUA, o presidente já estará recolhido, com os auxiliares-chaves, ou no ar, no Air Force 1, ou num bunker subterrâneo. Em outras palavras: quanto mais alto o nível de alerta, muito menor a vulnerabilidade a um primeiro ataque, o que, por sua vez, significa mais tempo para negociar, descobrir o que realmente esteja acontecendo e mais tempo para evitar uma guerra.

O que estou tentando ilustrar aqui é que os dois lados, Rússia e os EUA, desenvolveram um sistema muito sofisticado para tornar impossível que o outro lado “vença” alguma guerra. Esse sistema ainda está implantado até hoje; de fato, Putin acaba de convidar outros chefes de Estado da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, OTSC, para assistirem ao teste em grande escala das forças estratégicas russas de contenção (nada tem a ver com a Ucrânia: esse exercício já estava agendado há mais de um ano).

Em outras palavras, significa que EUA/OTAN sabem que não podem “vencer” guerra contra a Rússia, nem guerra convencional, nem guerra nuclear. Os que insistam em repetir coisa diferente não sabem o que dizem.

O que deixa duas explicações possíveis para o atual comportamento do ocidente, e nenhuma delas é muito estimulante.

Angela Merkel e Barack Obama
Primeiro, Obama, Merkel & Co. são doidos varridos, obcecados com iniciar a IIIª Guerra Mundial. Bem sinceramente, essa hipótese não me convence.

Segundo, Obama, Merkel & Co. estão tentando aplicar a Putin uma jogada temerária, [1] na esperança de que Putin esteja blefando e que a Rússia aceite um Banderastão governado por neonazistas, que será histericamente russofóbico, membro da OTAN e, sem dúvida possível, será convertido em estado fantoche anglo-sionista, feito Polônia ou Letônia.

Isso, meus amigos, não acontecerá. E por isso escrevi em março desse ano, um postado em que alertava que a Rússia está pronta para ir à guerra. E nada tem a ver com Putin, com imperialismo russo ou qualquer dessas tolices que a imprensa-empresa ocidental vive a disseminar; só tem a ver com o fato de que os EUA querem converter a Ucrânia em ameaça existencial contra a Rússia, ao mesmo tempo em que vão mantendo artificialmente vivo um país de ficção, inventado pelas mentes ensandecidas de papas e jesuítas, sem vida real; e país que, se deixado entregue a ele mesmo, não sobreviveria sequer por 24 horas.

O que me faz crer que estejamos numa crise potencialmente muito mais perigosa que a Crise dos Mísseis de Cuba é que, daquela vez, ambos, EUA e a URSS compreendiam plena e completamente o quanto a situação era grave; e entendiam também que o mundo tinha de ser resgatado da posição à que chegara, à beira de uma guerra nuclear.

Mas hoje... é só ouvir o que dizem imbecis do quilate de Obama, Kerry, Psaki & Co.. Estou aterrado, boquiaberto, com o quanto essa gente pode ser estúpida e continuarem estupidificados, o quanto se podem estar autoiludindo. E estão jogando não só com a nossa vida, mas também com a vida deles mesmos; e continuam a agir como se Putin fosse alguma espécie de senhor-da-guerra somaliano, que deva a ser mantido em estado de pânico e medo, para ser subjugado. Mas se a tática deles já não funciona nem com senhores-da-guerra somalianos... por que eles ainda supõem que funcionará com Putin?

Quero me obrigar a crer que por trás de todos esses doidos, lunáticos, imbecis, há militares, soldados, comandantes, que foram formados e treinados durante a Guerra Fria e que com certeza não se esqueceram das muitas, muitas horas em frente aos computadores, rodando modelos e modelos e mais modelos, e todos os modelos, todos, todos, sempre e sempre, levando ao mesmo resultado: a vitória é impossível. A guerra, portanto, simplesmente não era opção.

Também é possível que o Império deseje escalar a situação na Ucrânia o suficiente até forçar uma intervenção dos russos, mas não o bastante para que se entre em confronto real de guerra. Se é esse o caso, então, é estratégica alucinadamente arriscada. Pode-se dizer criminosamente temerária. Uma coisa é pôr-se a dar xiliques “muito machos” e ameaçar explodir e desexplodir a República Popular Democrática da Coreia [Coreia do Norte]; outra, muito diferente, é tentar o mesmo truque com uma superpotência nuclear.

O que há de mais assustador é que esses amaldiçoados Democratas têm longa tradição de temeridade criminosa, muito, muito ativa.

Estreito de Taiwan
Lembram-se de 1995, quando Clinton mandou dois porta-aviões dos EUA para o Estreito de Taiwan, em show de exibicionismo de cowboy-machão? Daquela vez, os chineses resolveram, sabiamente, não responder ação estúpida com reação igualmente estúpida. Mas... e se dessa vez Obama decidir que ele é suuuuuuuuuuuuuper macho-durão, durão-mesmo? E se Putin sentir-se encurralado, sem espaço para recolher-se?

É muito, muito assustador, é apavorante, pensar que o fato de que russos e chineses estejam agindo hoje de modo sempre responsável pode ir, aos poucos, “libertando” os EUA para que ajam de modo cada vez mais temerário, mais alucinado, mais irresponsável. Mas, não, não parece ser esse o caso, sobretudo dessa vez, com um Democrata na Casa Branca.

Quando, que vocês recordem, foi a última vez que alguém aí viu/ouviu algum presidente dos EUA assumir a responsabilidade por apresentar proposta construtiva para evitar ação militar? Quando? Quando? Pessoalmente, não sei dizer. Acho que nunca aconteceu. Nunca, nem uma vez.

Para concluir, só posso repetir o que já disse tantas vezes: não há opção militar para EUA/OTAN contra a Rússia. Quanto a determinar se a plutocracia anglo-sionista do 1% que nos governa enlouqueceu completamente, é possível que sim, mas o palpite de vocês vale tanto quanto o meu.

The Saker



Nota dos tradutores
[1] Orig. “Chicken game” [jogo da galinha ou “frango” (no sentido de covarde, assustadiço, medroso)]. Sobre o jogo, nos termos da Teoria dos Jogos ver: Jogo da Galinha

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