Os almoços grátis e a teoria econômica

Não há forma de inventar leis naturais que possam descrever mecanicamente a vida e as decisões das pessoas e dos grupos sociais.

Francisco Louçã na Carta Maior
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A lenda é esta: dois economistas discutiram se a economia se rege ou não por “leis naturais”, mecanismos implacáveis que determinam e descrevem os comportamentos das pessoas e grupos. Vilfredo Pareto (1848-1923), numa conferência acadêmica, explicou porque pensava que sim, que essas leis são as engrenagens da vida, no que foi contestado por Schmoller.

 
Pareto era o sucessor de Léon Walras na sua cadeira de economia política na Universidade de Lausanne, na Suíça, mas isso não queria dizer muito nesse momento: as teorias de Walras e de Pareto só mais tarde se tornaram canônicas na economia e este ainda não seria famoso no momento da anedota. Talvez isso explicasse a descontração das interrupções que um consagrado professor de economia foi impondo a partir da audiência: "não existem leis naturais na economia", dizia-lhe Gustav von Schmoller (1838-1917), com a assertividade de um veterano perante um calouro. Schmoller, da Universidade de Berna, era um dos economistas mais famosos do seu tempo e certamente o economista alemão mais influente. A sua palavra havia de ter impressionado os ouvintes.

 
No dia seguinte, prossegue a história, contada sempre da mesma forma (aqui ouaqui), Pareto ter-se-ia disfarçado para passar por um mendigo e teria pedido a Schmoller, na rua, que lhe indicasse onde poderia comer gratuitamente. Schmoller teria dito que não há restaurantes que sirvam gratuitamente, mas que lhe podia indicar um confortavelmente barato. Conclusão triunfante de Pareto, revelando-se detrás da sua máscara: "está a ver, há mesmo leis naturais na economia!".

 
Deste episódio vem a célebre expressão "não há almoços grátis". Os leitores brasileiros já ouviram esta expressão de governantes de todas as cores, explicando porque têm que impor medidas de restrições orçamentais. Suspeito até que vão ouvir Levy repetir isto, ou quem lhe venha a suceder.
 
Ora, um dos problemas desta mundividência é que a ideia de “leis naturais” tomou caminhos enviesados. Por exemplo, depois do episódio entre Pareto e Schmoller, a ideia entusiasmou os fascistas italianos, que assim encontravam uma justificação para a sua prepotência e, em particular, para a recusa em alterar a distribuição dos rendimentos (e homenagearam Pareto, tendo-o Mussolini nomeado senador vitalício; um resumo da carreira de Pareto foi publicado pelo colega Luigi Amoroso e publicado em 1938 na revista Econometrica, e que então provocou uma grande celeuma, sendo acusada de branqueamento do fascismo).

 
A história de Schmoller, reformador social mas germanista imperial, foi contada por Thorstein Veblen em 1901, noutra grande revista de economia. Em qualquer caso, do encontro na conferência e da conversa na rua não se tem confirmação direta por qualquer deles, mas bem pode ter acontecido. Afinal, os economistas nesse tempo falavam entre si. E faziam perguntas interessantes em conferências interessantes.

 
Em todo o caso, por mais que a anedota se repita, não há forma de inventar leis naturais nem comportamentos uniformes que possam descrever como uma mecânica celestial a vida e as decisões das pessoas e dos grupos sociais. Pareto não tinha razão e a sua própria evolução posterior o confirmou: como sociólogo, mais do que como engenheiro (era doutorado em engenharia), desenvolveu depois uma teoria das elites dominantes que as responsabilizava pelos desequilíbrios sociais e por imporem sempre a sua vontade, contra a democracia.
Ainda hoje nos podemos perguntar se há alguma "lei natural" que determine como nos comportamos, ou se, em democracia, escolhemos os caminhos por nós próprios. Tudo depende sempre da decisão e nenhuma lei cósmica desculpa ou justifica o que só à decisão compete.






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