Carlos Cleto: Da última vez em que o filho de um presidente da República se meteu em assuntos de governo o pai acabou em um caixão

No VIOMUNDO - 17/02/2019

Carlos Cleto: Da última vez em que o filho de um presidente da República se meteu em assuntos de governo o pai acabou em um caixão
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por Carlos Cleto, especial para o Viomundo

O governo Bolsonaro mal começou, mas já mostra uma característica muito perigosa: o envolvimento dos filhos do presidente em questões de governo.
Além de inconstitucional, essa anomalia é politicamente explosiva.
É bom lembrar que da última vez em que o filho de um presidente da República se meteu em assuntos de governo o pai acabou em um caixão.
Refiro-me a Getúlio Vargas e ao “Crime da Rua Tonelero’’, que deflagrou a crise que acabou levando Getúlio ao túmulo, em 24 de agosto de 1954.
O jornalista Carlos Lacerda, um dos principais opositores do governo Vargas, tinha lançado sua candidatura a deputado federal pela UDN.
Através de seu jornal, a Tribuna da Imprensa, Lacerda promovia uma incessante campanha de desmoralização do presidente, marcada por ataques pessoais a Getúlio e aos seus familiares.
Em uma coisa, Lacerda tinha razão…
Getúlio não sabia conter seu filho Luthero Vargas e seu irmão Benjamin Vargas, o Bejo; os dois viviam dando problemas.
Osvaldo Aranha, outro gauchão, já tinha dito: “se não for pela trela, que seja pelo relho; mas o Presidente precisa controlar esses dois”.
Getúlio não controlou, e o fim da história é esse que estamos contando.
Como Lacerda colecionava inimigos, um grupo de simpatizantes, oficiais de Aeronáutica, decidiu fazer sua segurança durante seus comícios.
Na madrugada de 5 de agosto de 1954, ao voltar de um comício, Lacerda sofreu um atentado na entrada do edifício, onde morava: o Albervânia, Rua Toneleros 180, Copacabana, Rio de Janeiro.
O jornalista foi ferido no pé, mas o major-aviador Rubens Vaz, que naquele dia lhe dava proteção, foi morto.
Lacerda imediatamente acusou o presidente Getúlio Vargas de ser o mandante do atentado de que fora vítima e que acabara provocando a morte do oficial.
Nesse dia, Lacerda escreveu na Tribuna da Imprensa:
“… perante Deus, acusou um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia para atos como os desta noite. Êsse [na época, tinha circunflexo] homem chama-se Getúlio Vargas’’.
Como a placa do táxi em que fugira o autor dos disparos havia sido anotada, foi possível identificar o motorista: Nelson Raimundo de Sousa.
Edição extra de O Globo que saiu no dia do atentado, 5 de agosto, já dizia que o taxista envolvido no crime servia habitualmente ao Palácio do Catete.
Acervo O Globo
A partir do depoimento do motorista, em 7 de agosto, a crise político-militar, até então apenas delineada, se agravou.
O motorista admitiu que o autor do atentado havia fugido em seu táxi e acusou Climério Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal de Getúlio, de envolvimento no episódio.
A essa altura, Getúlio disse “os tiros da Rua Tonelero me acertaram pelas costas”.
Como o major assassinado pertencia à Aeronáutica, no dia 12 de agosto, o ministro da pasta, Nero Moura, autorizou a instauração de um Inquérito Policial Militar, que trouxe as investigações em curso para a Base Aérea do Galeão.
Pelo desembaraço e autonomia com que passou a atuar na condução do inquérito, passou a ser chamada de “República do Galeão”.
As investigações chegaram ao “Anjo Negro” de Getúlio, Gregório Fortunato, “cão fiel” da família Vargas.
O problema é que se sabia que Gregório jamais agiria por iniciativa própria: se promoveu o atentado, foi porque alguém acima mandou!
Em 23 de agosto de 1954, o jornal O Globo revelou que a polícia havia fechado o cerco, e os pistoleiros do Crime da Toneleros entregaram que os mandantes seriam Luthero e Bejo, filho e irmão de Getúlio.
Nesse mesmo dia, a Tribuna da Imprensa saiu com a notícia do indiciamento de Luthero.
Tancredo Neves, então ministro da Justiça de Getúlio, levou-lhe a notícia que ambos seriam presos no dia seguinte.
Getúlio meteu uma bala no peito.
Por culpa do filho doido e do irmão 15 anos mais novo, quase um filho, igualmente doido.

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