Um perfil de “Fred”, o primo que ia rifar a Cemig e detonou o aecismo

POR NOCAUTE 6 DE AGOSTO DE 2018

Cemig
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Quando Aécio entregou o governo do estado para o seu sucessor, Antônio Anastasia, em 2011, Frederico Pacheco foi nomeado diretor de Gestão Empresarial da Companhia Energética de Minas Gerais S.A. (Cemig).


Felipa Infanta (*), especial para o Nocaute 

Joesley: Entendeu? Tem que ser entre dois, não dá pra ser…
Aécio: Tem que ser um que a gente mata ele antes dele fazer delação [risos].
Joesley: [Risos] Eu e você. Pronto.. Ou o Fred e um cara desses… Pronto.
Aécio: Vamos combinar o Fred, com um cara desses.

O diálogo telefônico acima, gravado secretamente, não revelava apenas o pico de uma cordilheira de corrupção entre o senador Aécio Neves e Joesley Batista, dono da J&F. A conversa grampeada expôs à luz do sol, para os brasileiros, um personagem que a “high society” mineira conhecia bem. Era o “Fred” – Frederico Pacheco de Menezes, primo de Aécio e por este citado na ligação como “um que a gente mata ele antes dele fazer delação”.
Quem quiser realizar um retrato objetivo de Frederico Pacheco de Menezes, o “Fred”, terá obrigatoriamente que recorrer às reportagens do jornalista mineiro Marco Aurélio Carone. Perseguido durante os governos aecistas em Minas Gerais, Carone foi uma das raras vozes do jornalismo a enfrentar a censura do aecismo. Perseguido pelo braço policial-judiciário comandado por Aécio e Anastasia, o repórter foi preso sem provas e sofreu sequelas físicas que carrega até hoje, em função dos maus-tratos a que foi submetido.

 “Fred” Pacheco, o personagem central deste perfil, foi preso em maio de 2016, durante a Operação Patmos, por suspeita de envolvimento no pagamento de propina de R$ 2 milhões do grupo J&F ao senador Aécio Neves. “Fred” foi gravado por executivos do grupo recebendo R$ 500 mil na sede da J&F em São Paulo.

Frederico Pacheco de Medeiros, o primo de Aécio Neves, que foi preso e carregou uma tornozeleira eletrônica durante alguns meses, poderia ter encerrado a carreira do senador tucano, caso aceitasse fazer uma delação premiada. Isso porque “Fred”, como é conhecido na intimidade da família Neves e na cúpula do tucanato, não é um mero carregador de malas, alguém que seu primo poderoso pudesse matar. “Fred” é uma figura-chave no comando do aecismo.
Pacheco foi preso logo após a rumorosa operação que monitorou a entrega e o transporte de uma mala cheia de dinheiro de propina, combinada entre Aécio e Joesley Batista. A prisão ocorreu em sua casa, no condomínio Morro do Chapéu, em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde residem as principais figuras do aecismo.
Em seu currículo, desde 2003, acumula diversas passagens por cargos públicos. Fred foi nomeado secretário adjunto do governo mineiro de Aécio Neves, cargo diretamente ligado ao primo, no qual permaneceu até outubro de 2006.
A informação vem da gestão atual do Estado de Minas Gerais.
No período eleitoral de 2006, entre julho e setembro, ele trabalhou na campanha de reeleição de Aécio.
Em seguida, com a vitória do primo, em outubro daquele ano, reassumiu o cargo no governo e lá ficou até junho de 2008. No mês seguinte, virou secretário-geral do governo de Minas Gerais, até março de 2010, quando retornou como secretário adjunto do governo mineiro.
Com Anastasia, a Cemig cai nas mãos de “Fred”
Foi nos governos de Antônio Anastasia, o mentor intelectual do aecismo, que “Fred” Pacheco passou a ser um dos principais operadores do grupo. Quando o primo Aécio entregou o governo do estado para o seu sucessor, em 2011, Frederico Pacheco foi nomeado diretor de Gestão Empresarial da Companhia Energética de Minas Gerais S.A. (Cemig).
É uma das principais diretorias do grupo empresarial, responsável por todos os contratos firmados pela companhia elétrica mineira. Pacheco passou a controlar o movimento de bilhões de dólares por ano.

Em 2014 Fred trabalhou como administrador financeiro da campanha de Aécio Neves à Presidência da República, sendo acusado de ter canalizado para o comitê eleitoral aecista vultosos recursos, oriundos dos contratos da Cemig.

Somente em 2015, quando o candidato aecista Pimenta da Veiga foi derrotado por Fernando Pimentel nas eleições para o governo de Minas Gerais, é que o primo deixou a direção da companhia.
Segundo reportagem do site Viomundo, editado pelo jornalista Luis Carlos Azenha, Frederico foi o articulador de um dos maiores absurdos da sexagenária Cemig. Contaminado pelo surto privatista, ele articulou a venda de 1/3 das ações da estatal mineira à empreiteira Andrade Gutierrez (AG).
“Negócio da China” para a Andrade Guitierrez
Para a empreiteira com origem em Minas Gerais foi o chamado “negócio da china”. O “negócio” se viabilizou de uma maneira muito estranha, na qual somente o comprador ganhou.
A Cemig comprou, em 2009, a participação da Andrade Gutierrez na Light do Rio de Janeiro por R$ 785 milhões, pagos à vista.
A Andrade Gutierrez, por sua vez, deu R$ 500 milhões de entrada na compra de 33% das ações ordinárias da estatal mineira, ficando o restante do valor da compra, no total de R$ 1,6 bilhão, para pagamento em 10 anos com a emissão de debêntures a serem adquiridos pelo BNDES, a juros subsidiados e taxas facilitadas. As debêntures seriam emitidas em nome da Cemig – o que significa que a Andrade Gutierrez comprou a empresa com recursos gerados pela própria estatal.
Somente entre 2010 a 2013, a empreiteira recebeu mais de R$ 1,7 bilhão em dividendos da Cemig.
O esquema suspeito não se restringiu a essa estranha caridade, em um negócio que simplesmente resultou em transferência de dinheiro da Cemig para a construtora – ou seja, do vendedor, para o comprador. Além desse método, digamos, heterodoxo de compra, o contrato entre o acionista majoritário – o governo mineiro – e a empreiteira garantiu poderes inéditos ao sócio minoritário.
Nesse estranho acordo de acionistas, a Andrade Gutierrez garantiu o controle da Diretoria de Desenvolvimento de Negócios e Controle Empresarial das Controladas e Coligadas. O titular dessa diretoria, conforme o acordo, seria sempre um representante indicado pela AG e, pelo estatuto, era esse diretor quem controlava TODOS os investimentos da Cemig, em especial as grandes construções.
Trocando em miúdos, a Andrade conduzia os investimentos da Cemig nas obras em que ela, a construtora, era capacitada para fazer, e investia em novos negócios que interessavam à AG e nem sempre à Cemig ou ao Governo do Estado de Minas Gerais, o maior acionista.
“Fred cobrava até por audiências com empresários”
Depois da prisão de Pacheco, no episódio da mala, cujo dinheiro foi parar nas contas do senador aecista Zezé Perrela, o pai dele, um desembargador aposentado – provavelmente sem saber do profundo envolvimento do filho no submundo do aecismo – enviou uma contundente declaração pública a Aécio Neves:
“Meu filho Frederico Pacheco de Medeiros está preso por causa de sua lealdade a você, seu primo. Ele tem um ótimo caráter, ao contrário de você, que acaba de demonstrar não ter, usando uma expressão de seu avô Tancredo Neves, ‘um mínimo de cerimônia com os escrúpulos’. Vejo agora, Aécio, que você não faz jus à memória de seu saudoso pai, Aécio Cunha. Falta-lhe, Aécio, qualidade moral e intelectual para o exercício que disputou de Presidente da República. Para o bem do Brasil, sua carreira política está encerrada”. Assina: Lauro Pacheco de Medeiros Filho, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Conforme apurou Marco Aurélio Carone, Lauro Pacheco foi indicado para o TJ por Tancredo Neves. Ele sempre se lamentou que Frederico não seria a pessoa idealizada pelo pai: “Quando diretor da Cemig, cobrava até por audiências com empresários”.
Mesmo tendo violado as regras do uso da tornozeleira eletrônica duas vezes, sem oferecer nenhuma explicação à Polícia Federal, “Fred” recebeu duas advertências da Secretaria de Administração Penitenciária de Minas Gerais (SEAP), órgão responsável por monitorar o uso do equipamento. No final do ano passado “Fred” foi liberado do uso equipamento pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão do ministro Marco Aurélio foi tomada em dois de dezembro de 2017. O registro da primeira violação chegou ao gabinete do ministro, em Brasília, em seis de novembro. O segundo, em 14 de dezembro. A documentação sobre as infrações do empresário foi anexada a um processo no STF em seis de fevereiro. Até agora, nenhuma providencia foi tomada e Fred continua livre, podendo levar seus segredos para o túmulo.

(*) Felipa Infanta é jornalista e professora de Comunicação Social. 


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