Gustavo Conde: O futuro não se adivinha, o futuro se faz

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por Gustavo Conde - no GGN - 09/07/2018

Teço algumas considerações sobre a percepção das redes sociais diante de um habeas corpus dramático que não foi cumprido e sobre as temporalidades envolvidas na absorção da questão e todas as suas idas e vindas num domingo que ainda não terminou. 

A primeira delas é que celebrar a decisão de um desembargador soberano, de posse de sua atribuições institucionais, seria ter a doce companhia da lei diante da percepção do mundo social. Estranha sensação. Se as pessoas não respeitam a lei, terei de aceitar isso como realidade insofismável?

A segunda consideração é que não acho razoável travar uma competição para adivinhar o futuro (a vertigem fracassada de se esperar uma decisão favorável a Lula e o ceticismo vitorioso de se celebrar o próprio prognóstico pessimista e desiludido). Acho que o interessante é travar uma relação com a leitura do presente.
Acho que prever o futuro ou tentar prever o futuro é um grande desperdício de tempo. Sentir-se vitorioso porque “acertou” uma previsão talvez seja, como diria Nelson Rodrigues, uma das piores formas de solidão. Brincar com isso é divertido. Fazer disso uma profissão de fé é constrangedor.
O país inteiro está aprisionado nesse limbo mental que é tentar adivinhar “o que vai acontecer”. É por isso que a paralisia não cessa. Pensar demais no futuro, no prognóstico, é permanecer parado no tempo, sempre atrás da realidade (que nunca chega), É semiótico, é psíquico, e lógico, é linguístico.
É a nossa prisão.
Vejo muita gente presa nessa ‘usina de paralisia’, até quem deveria se libertar do vício para buscar a libertação concreta e definitiva de Lula.
O futuro não se ‘acerta’, o futuro se faz.
De modo que a “esperança” que parece habitar o coração de uns é apenas efeito de uma relação diferente com as temporalidades, com o presente, nada mais.
A ansiedade das pessoas é tanta, que quando elas se deparam com alguém de posse de relativa estabilidade temporal, indiferente a competições de previsão e à loteria dos prognósticos, a impressão é de conforto.
Mas é também mais que isso. A sensação passa a ser a de que essa estabilidade é um 'núcleo de premonição', tamanha é a necessidade que os espíritos ansiosos têm dessa lógica e desse regime de sentidos.
O enunciado básico que decorre de tudo isso é muito singelo e muito fácil de apreender e até de se apropriar. E eu posso dizê-lo com todas as letras e pausadamente: eu-não-tenho-medo.
Não tenho medo de errar, não tenho medo de acertar, não tenho medo de perder, não tenho medo de ganhar, não tenho medo de ir para o confronto, não tenho medo nem de, eventualmente, 'arranhar' o futuro (sem me tornar escravo dele).
Eu tento não trabalhar com os sentidos podres de uma sociedade amargurada e mergulhada na própria insegurança. Por isso, muita gente que me lê por aí, acha que eu digo “verdades demais” ou que eu “cravo” além daquilo que deveria me ser permitido.
Talvez, seja o efeito de escrever sem medo. Eu não posso escrever ‘pedindo desculpa’ ou me filiando nessa lógica precária do discurso derrotista e ressentido que tomou conta do país, do jornalismo, do comentário, do ensaio e da crítica social, com as célebres e conhecidas exceções de praxe. O fatalismo e a baixa autoestima são doenças que eu combato sem um pingo de dó.
De maneira que nesse dia terrível de ontem, eu não retiria nada do que foi a esperança enunciada nas redes, nas telas, nos pensamentos, nas ligações. Se a realidade insiste em se esconder na toca da insegurança e do medo, o problema é dela. Eu não vou aderir à mediocridade só porque ela quer ser a regra de turno.
A realidade é como o futuro: a gente constrói.
Aquele domingo foi intenso e o cansaço me abraçou como se eu fosse o filho distante que volta de viagem longa. Filho do cansaço, eu me despeço e me preparo para um novo dia com o recorrente instinto de sobrevivência política: sem arrependimento e sem medo.

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