Sergio Saraiva: O Bolsa Família não impediria Hitler de chegar ao poder

por Sergio Saraiva - maio 5, 2018

Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita – Tim Maia. O “Síndico” não conhecia a Alemanha.
Hitler
Muito tem se falado do pobre de direita. E de que isso seria mais uma jabuticaba – algo que só existe no Brasil. Mas há nisso pelo menos duas incorreções.
A primeira é que talvez fosse mais apropriado falar do pequeno burguês de direita. Ou do porquê essencialmente o pequeno burguês é de direita.
A segunda é que esse é um fenômeno mundial. O “pobre de direita” é a base da ideologia reacionária e fascista no mundo todo. Não apenas no Brasil.

A psicologia de massa do fascismo
Relendo a obra de Wilhelm Reich – “Psicologia de massa do fascismo” – publicada na Inglaterra em 1946 – e que busca uma explicação para a ascensão de Hitler na Alemanha em 1933 – encontra-se vários paralelos com a sociedade brasileira atual.
Não é raro depararmos com o aparente paradoxo da ascensão de Hitler em uma Alemanha moderna, industrializada, culta e politizada – com uma história de lutas por direitos sociais e trabalhistas. E com uma consequente população e classe média que detinham condições de vidas melhores que o restante pobre da Europa. Pois bem, foi exatamente nessa sociedade que o fascismo – na forma do nazismo – encontrou seu grande momento de poder.
O Bolsa Família não impediria Hitler de chegar ao poder
Apenas para termos de comparação, no Brasil, poderíamos considerar São Paulo como um paralelo a se ponderar.
Lembremos que São Paulo foi um polo de resistência à ditadura – inclusive na luta armada – e berço do moderno movimento sindical brasileiro e berço do PT. A Grande São Paulo industrializada formava a “mancha vermelha” responsável pela presença do PT no cenário político nacional até a chegada de Lula à presidência. Hoje, São Paulo – e principalmente a Grande São Paulo – é uma das regiões mais reacionárias do Brasil e fortemente antipetista.
O que mudou, desde então?
Comecemos perguntando por que São Paulo aparentemente não valoriza que os governos do PT tenham tirado o Brasil do mapa da fome. Com programas como o Bolsa Família e a valorização do salário mínimo os governos petistas teriam retirado 36 milhões de pessoas da miséria e criado uma nova classe média. Na época, a poderosa classe C – consumidora.
É nessa classe C, porém, que pode estar a chave para a resposta a nossa pergunta.
Vejamos como Wilhelm Reich trata de fenômeno parecido, na Alemanha da década de 30 do século passado:
“O trabalho revolucionário com as massas na Alemanha tem-se limitado quase exclusivamente à propaganda “contra a fome”. A base desta propaganda, embora muito importante, mostrou-se estreita. A vida dos indivíduos das massas é constituída por milhares de coisas que se passam nos bastidores. Por exemplo, o jovem trabalhador, logo que tenha podido saciar um pouco a fome, é de pronto dominado por milhares de preocupações de natureza sexual e cultural. A luta contra a fome é de importância primordial, mas os processos ocultos da vida humana têm de ser trazidos à luz crua do palco”.
Lembrou-me uma recente colocação de Mano Brown: “o governo Lula deu a condição do povo ter as coisas e, depois desse governo, o povo quer polícia para defender essas coisas”. 
Wilhelm Reich é mais didático:
“Tendo o movimento operário organizado conseguido impor algumas conquistas políticas e sociais, isto se refletiu, por um lado, no fortalecimento da classe, mas, por outro lado, iniciou-se um processo oposto: à elevação do nível de vida correspondeu uma assimilação estrutural à classe média”.
O pobre e o pequeno burguês são muito mais próximo que o pequeno-burguês e a classe média consolidada. Ambos, por exemplo, vivem dos seus empregos e salários. Mas o pequeno-burguês discrimina o pobre.
Explica também o porquê do contínuo apoio dos pequenos burgueses paulistas a governos de direita, mesmo com ações desses governos que lhes são desfavoráveis – vide a reforma trabalhista ou o breve governo de João Doria – o “João Trabalhador” – que lhe é muito mais próximo.
“Esta adoção dos hábitos da classe média intensificou-se em épocas de prosperidade [tente lembrar de um momento de prosperidade anterior aos governos do PT]. Mas em épocas de crise econômica, o consequente efeito desta adaptação foi obstruir o desenvolvimento da consciência revolucionária. A força da socialdemocracia [o PSDB da Alemanha de então]durante os anos de crise mostra quão completamente os trabalhadores estavam contaminados por esta mentalidade conservadora”.
Prossegue Reich e explica porque o PT é tão facilmente culpabilizado por uma crise que só veio a eclodir após ele ser retirado do poder.
A culpa é do PT
“Ora, no momento em que o trabalhador socialdemocrata sofreu a crise econômica que o rebaixou ao status de coolie [trabalhador imigrante de baixa especialização], o desenvolvimento de seu sentimento revolucionário foi afetado pelos decênios de estrutura conservadora. Ou permaneceu no terreno da socialdemocracia, apesar de toda a crítica e rejeição de suas políticas ou então voltou-se para o Partido Nazista, procurando uma melhor colocação”.
É essa última frase que explica o momento político paulista atual e ao qual devemos prestar muita atenção:
“ou permaneceu no terreno da socialdemocracia, apesar de toda a crítica e rejeição de suas políticas ou então voltou-se para o Partido Nazista, procurando uma melhor colocação”.
O apoio ao PSDB em São Paulo se deteriora rapidamente. Mas isso não melhora a situação dos partidos de esquerda. E os resultados da última pesquisa IBOPE dando vitória a Lula em São Paulo são profundamente enganosos, se tomados pelo seu valor de face. Quem realmente aparece como opção para o paulista desiludido é Bolsonaro.
Um alerta que nos faz Wilhelm Reich lembrando-nos da ascensão do fascismo no mundo em tempos de crise, tendo a pequena burguesia como apoiadora.
“A desilusão com a socialdemocracia, aliada à contradição entre a miséria econômica e uma maneira de pensar conservadora, leva ao fascismo, se não houver organizações revolucionárias. Na Inglaterra, por exemplo, depois do fiasco da política do partido trabalhista em 1930-1931, o fascismo começou a se infiltrar entre os trabalhadores que, nas eleições de 1931, escolheram a direita e não o comunismo”.
Na Alemanha, Hitler.

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