Sororidade e empoderamento das mulheres embalam clipe de Mulamba
FEMINISMO
Música que leva o mesmo nome da banda curitibana passa mensagem: é preciso que as mulheres transformem a dor em força para se verem como protagonistas de suas histórias e vidas
por Xandra Stefanel, especial para RBA publicado 23/07/2017
Música que leva o mesmo nome da banda curitibana passa mensagem: é preciso que as mulheres transformem a dor em força para se verem como protagonistas de suas histórias e vidas
O clipe é um manifesto pela união das mulheres contra a opressão de gênero, e pela quebra dos estereótipos |
Agora o meu papo vai ser só com a mulherada
'Nós não é' saco de bosta pra levar tanta porrada
Todo dia, umas dez morrem, umas 15 são estupradas
Fora as que ficaram em casa e por nada são espancadas
Qual que é o teu problema?É fé pequena ou mente ruim?
Quem foi que te ensinou a tratar 'as' mulher assim?
Agora fica esperto porque a coisa vai mudar
Se for tirar farinha com 'as' mulher, pode apanhar!
'Nós não é' saco de bosta pra levar tanta porrada
Todo dia, umas dez morrem, umas 15 são estupradas
Fora as que ficaram em casa e por nada são espancadas
Qual que é o teu problema?É fé pequena ou mente ruim?
Quem foi que te ensinou a tratar 'as' mulher assim?
Agora fica esperto porque a coisa vai mudar
Se for tirar farinha com 'as' mulher, pode apanhar!
Tão forte quanto a letra da música Mulamba é o clipe que a banda homônima acaba de lançar. O vídeo traz uma mescla de documentário e videodança em uma uma espécie de manifesto pela sororidade e pelo empoderamento das mulheres. Com roteiro e direção da cineasta Virginia de Ferrante e montagem de Ana Carolina Vedovato, o vídeo realizado de forma independente contou com uma rede de parcerias entre mulheres que dividiram suas histórias de agonia e sofrimento em uma dinâmica de grupo conduzida pela psicóloga Lari Tomass.
Os relatos foram preservados e apenas as imagens são apresentadas ao público, mas a força das expressões corporais e a conexão criada entre as mulheres estão presentes durante todo o clipe. “A ideia veio para potencializar uma canção que, além de dar nome à banda e ser nossa primeira criação em conjunto, traz um tema que precisa ser olhado com atenção por toda a sociedade: o massacre contra o feminino e tudo que ele representa. Enxergamos na banda e também na música Mulamba um poder de voz que fala sobre, por e em prol de uma parte da sociedade que é desacreditada e renegada cotidianamente”, afirma a vocalista Cacau de Sá, uma das seis integrantes de Mulamba e autora da letra, em parceria com Amanda Pacífico.
Segundo a vocalista, letra e clipe são um ato político. “A primeira mensagem é de que é possível fazer uma arte de resistência tendo um produto final que dialoga, comunica e transgride. Entendemos os corpos como políticos, logo, temos o clipe como um ato político. Estamos falando de pessoas com situações reais, muitas vezes não vistas e silenciadas. Mas também estamos transmitindo a ideia de que juntas somos mais fortes e de transformação.”
As imagens apresentam retratos e a interação das mulheres entre si e com a banda, intercaladas com uma dança protagonizada pela atriz Nayara Santos. Ela “interpreta uma personagem fictícia, uma espécie de entidade que representa a própria figura da 'mulamba'. Com o rosto coberto por uma máscara em formato de útero, a protagonista destrói objetos simbólicos num processo de libertação. A escolha dos elementos também é fruto de uma pesquisa feita com mulheres que relataram situações de opressão ao longo de suas vidas', detalha a banda no material de divulgação do videoclipe.
“A personagem é a encenação de uma força interior que todas nós temos para suportar momentos difíceis. Nesse contexto, a máscara é uma proteção para aguentar esses momentos e, ao final, ela deixa o escudo para mostrar que não precisa mais usar uma defesa. Ao mesmo tempo em que ela se liberta, as mulheres que contaram suas histórias também estão dançando e libertadas, culminando em uma simbiose”, explica a diretora do vídeo.
Protagonismo feminino
Virginia de Ferrante afirma que o processo de filmagem foi bastante intenso. “Queríamos retratar mulheres reais com sentimentos reais, e isso fica bem estampado no clipe. As imagens com as mulheres participantes resultam da dinâmica conduzida pela psicóloga Lari Tomass. Foi num estilo documental, a gente não tinha cenas específicas”, diz Virgínia. “Com relação às mulheres, queríamos uma gama de pessoas diferentes entre si, levando em conta onde estamos e os limites da própria cidade. Mas queríamos diferentes idades, etnias, corpos, cores de cabelo e vivências. Como exemplo, tivemos duas mulheres trans, o que deixou o processo mais rico e as trocas de experiência mais interessantes.”
O papel da psicóloga foi conduzir uma dinâmica de grupo. “Quando entramos em contato, explicamos o projeto e o que precisávamos de imagem: mulheres andando, se olhando, trocando informações, contatos, abraços, verdades… Ela propôs uma dinâmica que foi feita antes com a banda para um entendimento prévio, pois não sabíamos como seria a reação das mulheres participantes”, afirma a diretora.
O resultado desse processo é um dos videoclipes brasileiros mais fortes dos últimos tempos, com uma música igualmente potente. É um manifesto que incentiva a união das mulheres contra a opressão de gênero, pela quebra dos estereótipos e pela transformação das dores em liberdade.
Formado em 2015, o sexteto é composto apenas por mulheres: Amanda Pacífico e Cacau de Sá nos vocais, Caro Pisco na bateria, Fer Koppe no violoncelo, Naíra Debértolis no baixo e Nat Fragoso na guitarra). A banda, que deve lançar o primeiro álbum ainda este ano, ganhou notoriedade com o lançamento do vídeo da música P.U.T.A, no final de 2016.
Segundo Cacau de Sá, o nome do grupo tem a intenção de ressignificar a palavra: “Sobre o nome Mulamba, entendemos que somos esse estereótipo do ponto de vista da sociedade patriarcal na qual estamos inseridas. Mas, na nossa própria visão, nos enxergamos como protagonistas de nossas histórias e vidas. Por isso a escolha do termo, porque entendemos que a nossa visão quebra esse entendimento pejorativo e ressignifica a palavra, demonstrando força e protagonismo”.
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