As nuvens que se movem nos céus de Brasília. Por Sergio Saraiva

À esta altura, é certo que os donos do poder novamente se puseram em acordo e o futuro próximo do país está novamente pactuado entre eles. Apenas não sabemos os termos desse acordo.

céus de Brasília
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Por Sergio Saraiva - 02/07/2017

“A política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Você olha de novo e ela já mudou”.
Não nos enganemos, as nuvens dançam segundo o que lhes impõem as massas de ar invisíveis e poderosas. Elas determinam a dança aparentemente incompreensível das nuvens. Sistemas dinâmicos que se perturbam e se reacomodam. E quando se reacomodam, mantém o mesmo poder, mas as condições são sempre diferentes, então.
Temer, Janot, FHC, Gilmar Mendes e Lula. Nuvens todos eles.

Para sabermos que as massas de ar se movimentaram, produziram perturbações no seu equilíbrio interno e se rearranjaram, basta ver os últimos movimentos das nuvens.
A dança da Lava-Jato é um bom sinal para acompanharmos como se movem os donos do poder. Ela era totalmente previsível. Tinha objetivos claros: no campo interno, inviabilizar o PT e prender Lula e assim restabelecer no poder o ideário neoliberal. No campo externo, favorecer os interesses norte-americanos; da geopolítica ao pré-sal e o programa nuclear brasileiro. Além de destruir a capacidade de atuação internacional das grandes empresas de engenharia pesada nacional.
As denúncias do Odebrecht envolvendo políticos de todos os partidos devem ser entendidas menos como uma perturbação do que como um movimento audacioso, mas necessário: ”O leopardo da Odebrecht”. Criar o clima de comoção necessário para a prisão de Lula. Depois, Careca, Santo e Mineirinho, como realmente aconteceu, se perderiam nas brumas dos tempos de tramitação do STF.
Mesmo o passamento do ministro Zavascki – quem ainda se lembra? – com todo o seu potencial para especulações e teorias da conspiração, foi rapidamente contornado, ”Um elogio a Cármen Lúcia”.
Então ocorre o abalo.
A denúncia de Joesley Batista. Joesley é um outsider poderosíssimo da política nacional. Mas um outsider em essência. Não pertence ao Brasil tradicional que se estende pelos litorais do Rio Grande do Sul ao Maranhão. Vem do Brasil Novo que nasce com a riqueza do centro-oeste.
Para que não reste dúvidas do quanto a política brasileira é hereditária e estamental, basta um detalhe da vida de João Doria, prefeito de São Paulo e considerado como uma “novidade” na política: seus antepassados chegaram ao Brasil em 1549, na esquadra que trouxe a Salvador o primeiro governador geral, Tomé de Souza. Faça o mesmo exercício com Collor ou FHC, ou até Luciano Huck, os resultados serão os mesmos.
Joesley é filho de José Batista Sobrinho – o JBS. Desconhecido de tal modo que julgavam ser ele, na verdade, filho de Lula.
É em torno dessa nuvem vinda de outros ares– mais a do PGR, Rodrigo Janot e a do ministro Fachin – que se dá o movimento dessincrônico de uma das massas de ar que regulam a política brasileira – de um dos donos do poder cujo rosto visível é representado pela Rede Globo. O que o motivou não se sabe, mas massas de ar desse tamanho movem-se por interesses da mesma magnitude.
Tal movimento levou a um racha no monolítico pensamento único da mídia mainstream nacional. As famílias Frias, Saad e Mesquita de um lado e a família Marinho do outro. À esta última, parece ter se alinhado a família Civita.
Dissenções entre famílias, seja na imprensa nacional, seja no coronelato político ou seja na Máfia ou no Jogo de Bicho, são momentos raros de conflitos de interesses e disputa pelo espaço e pelo poder. Exigem um acordo em novas bases ou a destruição mútua.
O que estava em jogo, não saberemos tão facilmente, mas uma coisa é certa, o acordo em novas bases se deu.
Vamos agora observar as nuvens.
José Dirceu está livre, ainda que em prisão domiciliar, Vaccari inocentado e Dilma conservou seus direitos políticos no TSE. O habeas corpus de Palocci será julgado em plenário no STF. Por enquanto, está condenado por Moro – o que hoje já começa a significar pouco – e sua delação premiada, que envolvia grandes grupos econômicos e de mídia – rebarbada. O destino de Palocci é um movimento de nuvem a ser acompanhado com cuidado.
No meio do burburinho da denúncia de Temer no STF, passou aparentemente sem a repercussão devida um editorial da Folha, de 26 de junho de 2017, que me causou espécie: “Sem juízo-final”. Trata do julgamento de Lula por Moro no “Caso do Tríplex”.
Lá pelas tantas, diz o editorial:
“Não há como prever o resultado desse processo, que, na hipótese condenatória, conhece ainda amplo caminho para recursos judiciais. Seria interessante, de resto, verificar qual a reação dos partidários de Lula –sempre veementes ao atribuir parcialidade a Moro– na eventualidade de o magistrado decidir-se por sua absolvição.
Neste último aspecto [o amplo caminho para recursos judiciais], deve ser lembrado que mesmo se condenado agora, ou em algum outro processo de que é alvo, Lula dificilmente estará impedido de candidatar-se à Presidência da República nas eleições de 2018”.
Tal editorial é da véspera do posicionamento do TRF da 4ª Região – que decide em 2ª instância os casos julgados por Moro – de se posicionar pela revisão de condenações apoiadas apenas em delações. Significativo.
No campo oposto, o ministro Fux muda seu entendimento e vota pela libertação de Andrea Neves – irmã de Aécio Neves – e de seu primo. O ministro Fachin – ele outra vez – muda sua decisão e liberta Loures – o homem da mala de Temer. E o ministro Marco Aurélio de Mello – devolve o mandato do próprio Aécio, sem se abster da ironia ao reconhecer no senador do PSDB um “chefe de família, com carreira política elogiável”.
Mover na mesma direção três nuvens grandes como são as dos ministros do Supremo é coisa para poderosas massas de ar.
O acordo está feito. E envolveu Janot. A indicação de Raquel Dodge como a futura Procuradora Geral da República – sua adversária no MPF e segunda colocada na lista tríplice, tida como sagrada até ontem – e o enquadramento dos procuradores da Lava-Jato sem maiores vendavais – tendo a Globo por apoio – só se dá porque faz parte do acordo. Lembrando que Raquel Dodge foi indicada, mas sua nomeação ainda carece da aprovação do Senado. E esse é outro movimento de nuvem a ser acompanhado. Basta lembrar do que foi a aprovação de Edson Fachin.
O acordo trouxe concessões dos dois lados.
Resta a nuvem escura de Michel Temer.
Seu giro internacional foi um erro político de dimensões intercontinentais – para não perder o trocadilho – foi simplesmente rejeitado ostensivamente. Sua retirada do poder está precificada pelos investidores internacionais e avalizada pelos governos estrangeiros.
Na política interna, FHC é uma biruta de aeroporto – mas quando se posiciona como o fez na Folha com seu ”apelo ao bom senso, é porque os ventos passaram a soprar em uma mesma direção. E, nesse caso, a nuvem de Temer se esfumaça.
“A política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Você olha de novo e ela já mudou”.
Entramos em recesso. Férias escolares, as ruas das capitais mais vazias de trânsito e as manifestações esvaziadas. O Congresso e a Justiça – que no momento atual, são quase que uma simbiose predatória – estão parados. Mas as nuvens se movimentam em céu calmo. Movimentam-se agora lentamente, depois do ventania. Movimentam-se, contudo.
A denúncia contra Temer está na Câmara – aguardemos agosto. O simbólico e fatídico agosto da política nacional. Até lá, observemos as nuvens.
Porque, à esta altura, é certo que os donos do poder novamente se puseram em acordo e o futuro próximo do país está novamente pactuado entre eles. Apenas não sabemos os termos desse acordo.
PS: com a partida no intervalo, a Folha retomou se placar macabro da deposição de presidentes. No momento, Temer perde de  45 a 130.

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