Um presidente blackbloc. Por Wanderley Guilherme

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Por Wanderley Guilherme dos Santos - 29/05/2017

A renúncia de Michel Temer proporcionaria o desfecho menos turbulento ao lodaçal de Brasília. As saídas concorrentes contam com exagerado número de participantes em conflito e não estancarão a balbúrdia em nenhum dos casos. A cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral, provocando a prisão imediata de Michel Temer, precipita a decisão dos confabulantes, no Congresso, sobre quem vai se aproveitar do ano de mandato a cumprir. A escolha do sucessor, por seu turno, prorroga o que já está em andamento: a batalha de todos contra todos, não apenas partidos, mas legisladores. O mesmo ocorrerá se, por vazamento inesperado, a Câmara dos Deputados aceitar um dos pedidos protocolados de impedimento. É longo o tempo necessário para que qualquer uma das duas decisões jurídicas se transforme em fato. Igual problema afeta a opção por reforma constitucional ad hoc, visto o rito exigido para alterar capítulo da Constituição, mais os prazos para campanhas e organização do pleito pelo Tribunal Superior Eleitoral. Supor que esta ou aquela alternativa fará cessar o confronto equivale a fazer de conta que está tudo normal. O problema não é da Constituição nem das leis ordinárias, mudança das quais só produz pacificação quando o conflito substantivo já está resolvido. Pretender solucionar conflitos mediante lei caracteriza a incurável leucemia udenista de que também padece, agora, a esquerda. A renúncia não aborta o conflito, mas retira dele o tempo de efervescência.


Quanto menor o período de tempo entre a decisão e a execução da saída de Michel Temer, menor o número de oportunidades para se transformar em blackbloc institucional. A teimosia em não renunciar disfarça a estratégia de promover provocações até que não sobre alternativa à sua retirada senão pela violação dos prazos legais e ao largo da competência de outros agentes. Conta ele com a barreira da legalidade para instaurar o caos através de insanidades como a convocação das Forças Armadas para intervir em confrontos de rua. Fingindo-se de sóbrio, constrange diariamente até ao porteiro do Alvorada, que lhe presta desmoralizada continência, sendo de conhecimento universal tratar-se de um usurpador até como candidato a golpista. Com qualquer desfecho fora o da renúncia terá o tempo de que necessita para induzir, no limite, uma guerra civil aberta. Não é de desprezar a hipótese de que alimente intensos tumultos, incendiando o Legislativo com propostas de leis de temperatura explosiva, na expectativa de converter o empresariado a empresar outra aventura de que poderia ser o beneficiário. É perda de tempo alimentar bizantinas discussões sobre a viabilidade de tal descaminho; o que importa é o que um presidiário que tem na presidência da República sua sala de espera será capaz de engendrar para safar-se. Esta premissa é fundamental: Michel Temer é um presidiário que tomou a legalidade da Presidência da República como refém. Libertá-la e pô-lo no xadrez significa a mesma coisa. Exceto se nas tratativas em curso, de que participam todos, inclusive a esquerda, adiram a um acerto que o anistie.

Pouco a pouco a esquerda institucional vem aderindo à trapaça em andamento. Negociando emendas em legislação reacionária e se comprometendo com decisões cuja responsabilidade deveria ser monopólio da "base" parlamentar do governo. Há quem se pergunte, em dissidência com a esquerda oficial, se legislação de profundas mutilações na estrutura legal do País tem validade quando a autoria e as maiorias que as tem aprovado são ladrões do patrimônio nacional. Reivindicar a caducidade de tal legislação por inconstitucionalidade devia ser obrigatório ponto programático de governo popular lisamente eleito em 2018. Notório é o preço que a reação está cobrando para desfazer-se de Temer e de sua quadrilha: manter a trajetória de implosão da civilizada rede de proteção social e de debilitar a defesa da soberania nacional. É a cumplicidade com isto que uma facção de esquerda historicamente oportunista, por vampirismo iniciado no processo de impedimento de Dilma Rousseff, está conduzindo o que restou de dignidade do que já foi a nova esquerda brasileira.

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Wanderley Guilherme dos Santos

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