Os Estados Unidos devem lutar contra seu Apartheid econômico

O mundo inteiro comemorou a legalização do casamento homossexual, mas os norte-americanos ainda enfrentam um grave problema - a segregação econômica



Robert Reich - CommonDreams - na Carta Maior
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Quase perdida na onda de respostas às decisões da Suprema Corte da última semana que confirmaram o Affordable Care Act (lei federal que regulamenta o controle dos preços dos planos de saúde) e a permissão e legalidade do casamento gay, está a terceira significante decisão da corte - sobre a discriminação territorial (gentrificação urbana).
 
Em uma votação que terminou em 5 a 4 a Corte entendeu que o Fair Housing Act de 1968 necessitava denúncias para expôr que o simples efeito da política é descriminatório, e não que os réus sustentavam a intenção da discriminação.

 
A decisão é importante na luta contra o apartheid econômico nos Estados Unidos - que representa uma segregação racial de escala geográfica muito maior do que em épocas anteriores.
 
A decisão tende à afetar tudo desde as práticas de empréstimo bancário que prejudicam essencialmente os tomadores de empréstimo não-brancos, até o zoneamento de leis em favor dos compradores de imóveis, de alta renda, brancos.
 
Em primeiro lugar, um pouco de pano de fundo. Os estadunidenses estão segregando muito mais através da renda, em termos dos locais de moradia.
 
Trinta anos atrás a maioria das cidades continham um amplo espectro de residentes, de ricos à pobres. Hoje, cidades inteiras são em sua maioria ricas (San Francisco, San Diego, Seattle) ou majoritariamente pobres (Detroit, Baltimore, Philadelphia).
 
Por conta do desproporcional número de pobres serem negros ou latinos, estamos experimentando muito mais que uma segregação geográfica.
 
E é por isso, por exemplo, que estudantes negros estão mais isolados hoje do que 40 anos atrás. Mais de 2 milhões de estudantes negros hoje estudam em escolas onde 90% do corpo estudantil é composto por minorias.
 
De acordo com um recente estudo conduzido por pesquisadores de Stanford, muitas famílias negras de renda média ainda se mantêm em bairros pobres com escolas de baixa qualidade. poucos parques e playgrounds, mais crimes, e transporte público inadequado. Negros e hispânicos tipicamente necessitam de rendas maiores que brancos para viver em bairros mais ricos. 
 
De alguma maneira, essa é uma questão de escolha. Muitas pessoas preferem viver entre aqueles que se assemelham racialmente e etnicamente à eles. 
 
Mas parte disso é devido a discriminação de moradia. Por exemplo, um estudo de 2013, conduzido pelo Departamento de Moradia e Desenvolvimento urbano, mostrou que corretores de imóveis usualmente mostram menos propriedades à famílias negras do que a famílias brancas que possuem praticamente a mesma renda.
 
A diferença de renda entre a minoria pobre e as comunidades de classe-média branca continua a aumentar. Se por um lado a recuperação impulsionou os preços das casas no geral, por outro não os impulsionou nas comunidades mais pobres.
 
Isso é em parte porque os agentes de empréstimo bancário estão hoje mais relutantes em expedir hipotecas para casas de bairros pobres - não porque os emprestadores querem discriminar, mas porque eles enxergam maiores riscos de queda de preços destas casas e de "calotes". 
 
No entanto, essa relutância é uma profecia auto-realizável. Reduziu-se a demanda por casas naquelas áreas - resultando em mais despejos e taxas mais altas de esvaziamento de residências e deterioramento. O resultado: novas quedas no preço das casas. 
 
À medida que os preços caem, até mesmo os proprietários de casas que mantiveram-se atualizados com seus pagamentos de hipoteca não podem refinanciar para aproveitar a diminuição das taxas de juros. Outros que devem mais em suas casas do que suas próprias casas preferem simplesmente parar de mantê-las. Em muitas comunidades pobres, isso tem causado uma diminuição ainda maior do lote habitacional, seguidamente pelos preços. 
 
Somando a espiral descendente está a realidade fiscal que diminui o valor das casas significando menos receitas sobre impostos de propriedade local. Isso, por sua vez, contribui piorando escolas, diminuindo segurança pública, e degradando a infra-estrutura - acelerando a sua derrocada.
 
Tudo isso explica porque o preço das casas em bairros pobres continua cerca de 13% abaixo de onde estavam antes da recessão, apesar dos preço de muitos bairros ricos tenham tido completa recuperação. 
 
E porque cerca de 15% das casas norte-americanas valem menos que 200 mil dólares estão ainda "debaixo d'água", enquanto apenas 6% das casas valem mais de 200 mil. Pior ainda para comunidades pobres, a maior parte dos novos empregos estão sendo criados em áreas onde a habitação é cara, enquanto poucos empregos estão emergindo em lugares de habitação mais barata. 
 
A mistura venenosa de discriminação habitacional, segregação racial sobre vastas extensões de áreas metropolitanas, juntamente com baixos salários e poucos empregos nesses lugares, teve efeitos de longo-prazo. Um estudo de Harvard acompanhou várias milhões de crianças desde os anos 1980. Constatou-se que crianças das quais as famílias receberam vouchers residenciais permitindo-as se mudar para bairros melhores foram mais propensas a frequentar a faculdade e conseguir melhores empregos - do que aquelas famílias que não receberam vouchers. O estudo aponta uma solução: os vouchers habitacionais que ajudam famílias de baixa-renda a se mudarem para bairros melhores. Também se sugere que taxas de crédito federal que encorajam realizadores a construirem casas para mais pobres devem ser usadas em comunidades racialmente integradas, do que naquelas mais pobres. 
 
Não por acaso, essa foi a grande questão que provocou a decisão da semana passada na Corte Suprema sobre habitação mais justa.  Se quisermos reverter o ciclo vicioso do apartheid econômico nos Estados Unidos, esta decisão oferece um importante ponto de partida. 




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