Ásia-Pacífico e Ucrânia? Até agora, nada a ver

[*] MK BhadrakumarIndian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHO 
A IVa. Guerra Mundial
Há doidos já dizendo que começou a IIIª Guerra Mundial. “Doidos” no sentido de que essa ideia é impensável, indizível, não mencionável, em tempos termonucleares. Mas as tensões, sim, estão-se sobrepondo, nas relações entre as grandes potências.

É modo de dizer, mas Rússia e China, essa semana, parecem estar na trilha de testarem os limites do poder dos EUA. Por vias diferentes, Rússia e China estão “cutucando” a única superpotência na região da Ásia-Pacífico. Pode não passar de simples coincidência, mas pode nada ter a ver com coincidência e pode, sim, haver aí pensamento coordenado.

Relatos norte-americanos falam de “aumento significativo” na atividade aérea russa e “muito mais” atividade em águas na região do Pacífico Asiático num “show de força e para recolher inteligência”. Especialistas norte-americanos dizem dessas atividades que elas evocam a Guerra Fria.

Simultaneamente, as tensões espiralaram aos céus no Mar do Sul da China, envolvendo a China, de um lado; e Vietnã e Filipinas, do outro lado. Os especialistas abraçaram os diagnósticos pró um dos lados e já se puseram a “declarar” que “Pequim está dando grande salto na defesa de suas demandas territoriais, testando a decisão dos vizinhos armados – e também dos EUA” – como se lia no Wall Street Journal.

Mas, se se examina mais de perto, os dois desenvolvimentos parecem nada ter a ver um com o outro, e podem ser eventos de caráter completamente diverso. Seja como for, a China parece ter afastado para longe do Vietnã a sua plataforma de petróleo, e o bate-boca com as Filipinas faz Manila aparecer como tola, por ter detido um barco chinês e metido na cadeia 11 marinheiros por manter cativas algumas tartarugas – de fato, 30, as quais, infelizmente, vieram a falecer.

Mar do Sul da China e o contorno da porção oceânica disputada 
Em resumo, Pequim parecia ter conseguido “deter” Hanoi e está requerendo que Manila não seja desnecessariamente provocatória. As declarações dos chineses revelaram que há registro de 171 incidentes com barcos vietnamitas, que atropelam navios chineses.

O governo Obama, corretamente, pôs as tensões do Sul da China sob a perspectiva devida, e conclamou os dois lados e exercer a contensão e a moderação. Entrementes, os olhos de Washington estão treinados para acompanhar a próxima visita do Secretário do Tesouro dos EUA, Jacob Lew, a Pequim, amanhã, 3ª-feira (13/5/2014), como enviado especial do presidente Barack Obama.

Lew é interlocutor chave para Pequim e arquiteto do relacionamento EUA-China. Já tem audiência marcada com o presidente Xi Jinping. Obviamente, há item gordo nessa agenda.

As tensões que envolvem a Rússia, por sua vez, são diretamente rastreáveis até a crise na Ucrânia. A Rússia tem dado passos calibrados milimetricamente, e distribuído ruídos que deixem claro que suas capacidades militares existem e serão usadas, para evitar, assim, que EUA e OTAN metam os pés pelas mãos. Isso, por um lado.

Ao mesmo tempo, bufar alto e forte, ar quente e ar frio alternadamente, é tática útil para confundir o adversário sobre as reais intenções do bufador. Fato é que na 6ª-feira (9/5/2014) o presidente Vladimir Putin viajou para a Crimeia(ato que Washington imediatamente criticou como “provocatório e desnecessário”).

Vladimir Putin e veteranos da IIa Guerra Mundial depositam flores no Memorial dos Heróis em Sebastopol, Crimeia (9/5/2014 - Dia da Vitória)
Mas a visita de Putin coincide com os 70 anos da libertação da Crimeia, pelo Exército Vermelho, derrotando a ocupação nazista. Não há dúvida alguma de que a visita é riquíssima em simbologia política, em vários sentidos, todos importantes.

E numa direção, em especial, essa visita é muito, muito significativa, a saber: a visita de Putin à Crimeia cai praticamente na véspera do referendo à moda da Crimeia, que está sendo planejado pelos militantes pró-Rússia no leste da Ucrânia, a realizar-se domingo (11/5/2014), para decidir sobre o futuro da região. (já se realizou e os resultados são conhecidos, ver postagens anteriores, [Nrc]).

É altamente provável que o referendo resulte em secessão, com a região optando por separar-se da Ucrânia. O mais provável é que uma vasta fatia de terra, que cobre o leste e o sul da Ucrânia separe-se do país e declare-se nova república da Confederação Russa, sob o nome de “Novorossiya”.

Em termos táticos, o referendo põe abaixo a eleição presidencial marcada para 25 de maio de 2014 na Ucrânia, e que é [seria] crucialmente importante para re-estabelecer em Kiev algum governo eleito, representativo, que substitua o deposto presidente Viktor Yanukovich e o presidente “interino” lá instalado ninguém sabe por quem, mas com o apoio dos EUA.

Mas, diferente do que está fazendo em relação à China, em relação à Rússia o governo Obama fez o mais absoluto silêncio. Nem a volta de circunavegação do “Urso” em Guam, apitando na costa da Califórnia faria Obama pegar o telefone e ligar para o Kremlin [Moscou já anunciou que não atende telefonemas da Casa Branca, enquanto Kerry andar por lá (NTs)].

Mas, aconteça o que acontecer, no próximo dia 6 de junho de 2014, Obama não terá como esconder-se, no Desfile da Vitória, em Paris. Será a primeira excursão de Putin para fora das fronteiras russas, depois da reintegração da Crimeia na Federação Russa. As areias da Normandia terão algum efeito curativo? Quantas e quantas almas circularão por ali, naquelas praias. Rindo, provavelmente, dos “grandes líderes”.




[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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