Joaquim de Carvalho: Por que a Interpol aceitou a acusação de parcialidade de Moro

Publicado por Joaquim de Carvalho - no DCM - 8 de agosto de 2018

Durán, a decisão da Interpol, e os Smith, ops, Moro
Três fatos foram decisivos para a Interpol cancelar o alerta vermelho em relação a Rodrigo Tacla Durán.

Um deles é a completa inércia do Ministério Público Federal em relação à representação apresentada por três deputados (Paulo Pimenta, Paulo Teixeira e Wadih Damous) para que investigue a denúncia do ex-advogado da Odebrecht de corrupção na Lava Jato.
Essa denúncia, acompanhada de perícias feitas na Espanha, foi feita por Rodrigo Tacla Durán na CPI da JBS, em novembro do ano passado, a representação foi encaminhada uma semana depois.

Outro fato é a reiterada recusa de Sergio Moro para ouvir Tacla Durán como testemunha nos processos sob sua jurisdição, principalmente contra Lula, em que justifica sua negativa com o argumento em que coloca em dúvida qualquer informação que ele possa apresentar.
E o terceiro fato que chamou a atenção dos dirigentes da Interpol é a entrevista que Moro deu ao Roda Viva, em que antecipou julgamento sobre um investigado, chamando-o de “mentiroso”.
Para a instituição, estas são evidências de que o Brasil violou o artigo 2 da Constituição da Interpol — “Assegurar e promover a mais ampla assistência mútua possível entre todas as autoridades policiais criminais dentro dos limites das leis existentes nos diferentes países e no espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
Um dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, descrito no artigo 10, é que toda pessoa tem direito a um julgamento justo — “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.”
A Interpol já havia negado um pedido de Tacla Durán, formulado em dezembro de 2016, logo depois que foi preso na Espanha, em razão do Alerta Vermelho.
Na época, a Interpol considerou o pedido do Brasil procedente e informou Tacla Durán de sua decisão em janeiro de 2017.
Um ano e três meses depois, em abril de 2018, o advogado, já em liberdade na Espanha, depois que foi negada a extradição, pediu a revisão desta decisão e apresentou os três fatos novos relacionados na abertura do artigo.
A Interpol ouviu seu escritório no Brasil e entendeu que as autoridades brasileiras não conseguiram afastar as dúvidas quanto à parcialidade de Moro (leia o relatório da Interpol, traduzido para o português, ao final da reportagem).
Ao que parece, o que mais impressionou a Interpol é a entrevista de Moro ao Roda Viva, que foi ao ar em março, alguns antes de Tacla Durán pedir a revisão da decisão que havia mantido o Alerta Vermelho.
A entrevista foi tratada pela esposa de Moro como final de Copa do Mundo. Como ela contou em seu Instagram, reuniu amigas em seu apartamento para assistir ao Roda Viva e todos posaram para foto, fazendo o V da vitória. Rosângela escreveu: “Boas energias”.


Rosângela reuniu as amigas para ver, em clima de Copa do Mundo, a entrevistado do marido no Roda Viva

Na oportunidade, em que o então apresentador do programa, Augusto Nunes, comentou que a Operação Lava Jato era modelo para o mundo, o editor executivo da Folha de S. Paulo, Sergio Dávila, tocou no assunto Tacla Durán, talvez o único tema espinhoso daquela entrevista. Ainda assim, teve muito tato.
Dávila perguntou:
Eu queria que o senhor aproveitasse essa oportunidade para esclarecer o caso Jorge Tacla Durán (errou o nome), que está sendo investigado no âmbito da Lava Jato. Ele diz ou acusa. Ou insinua que o Carlos Zucolotto, advogado das suas relações, teria o tráfico de influência junto ao senhor via advocacia da sua mulher. O senhor não quer aproveitar essa ocasião para comentar esse caso, falar o que o senhor acha dele?
Moro responde:
“Na verdade, existe uma acusação de que ele é um profissional de lavagem de dinheiro, que trabalhava para o setor de operações estruturadas do Grupo Odebrecht e, no curso das investigações, ele fugiu do país e se refugiou na Espanha. Foi decretada a prisão dele, e ocorre que ele tem dupla nacionalidade, a Espanha tem uma base para recusar a extradição, porque nós também não extraditamos nossos nacionais. Esse indivíduo fez essas afirmações, e concomitantemente ele mesmo falou que o juiz e os procuradores deveriam se afastar do caso, por conta desse episódio. Mas, assim, é uma fantasia que não existe nenhuma base concreta, nenhuma prova, nenhuma base empírica em relação ao que ele fala. O que se tem é que é uma pessoa acusada de crimes graves. Essa pessoa tem lá, afirma que é advogado, e tem lá 17 milhões de dólares bloqueados em Cingapura, em contas offshores (sic). Várias pessoas afirmam, segundo a acusação, que ele teria envolvimento com lavagem de dinheiro. E simplesmente, a meu ver, ele inventou essa história para tentar afastar o juiz do caso. E se for ver lá, qual que é a base disso? Nunca, ninguém, nessa investigação, levantou qualquer margem de suspeita contra a conduta dos procuradores ou sobre a conduta do juiz. Tem até críticas, por exemplo, de excessos, de rigor, mas jamais de desonestidade. Então, tem esse único indivíduo, que é uma pessoa foragida, suspeito de crimes gravíssimos, levanta essas históricas sem qualquer base empírica. Então, quanto a isso, a meu ver, o sujeito é simplesmente um mentiroso.”
Na frase, de uma agressividade incomum para um magistrado, existem alguns pontos que precisam ser esclarecidos.
Não há registro de que Tacla Durán tenha dito que era necessário o afastamento de Moro e de procuradores. De onde o juiz tirou essa informação?
O primeiro veículo que noticiou a denúncia de Tacla Durán foi a Folha de S. Paulo, com uma reportagem de Mônica Bergamo sobre o livro que o advogado escrevia (“Testemunho”), em que contava que o advogado Carlos Zucolotto Júnior lhe havia proposto facilidades em um acordo de delação premiada em troca de 5 milhões de dólares pagos “por fora”.
Para tanto, prometia conversar com DD (não disse quem era, mas existe um DD na Lava Jato, é o coordenador Deltan Dallagnol).
Moro, procurado, divulgou uma nota dura em que defendia Zucolotto, o que é estranho: o correto para um magistrado seria investigar a denúncia.
Como ele pode ter certeza de que seu nome não foi usado em negociação nebulosa?
Tacla Durán pode, efetivamente, não estar falando a verdade, embora a seu favor ele tenha apresentado o print da tela de seu celular periciada por peritos da Espanha, com a transcrição da conversa em que Zucolotto teria feito a proposta.
A favor de Tacla Durán, há também o fato de que Zucolotto foi seu advogado, em causas de sua família, que tem um ramo em Curitiba, ao tempo que o escritório tinha como sócia Rosângela Moro.
Também a favor dele, há o e-mail do Ministério Público Federal em Curitiba, enviado a Tacla Durán um dia depois da conversa com Zucolotto. É a minuta do acordo — favorável a ele, como havia prometido o advogado amigo de Moro.
Nada disso foi investigado, apesar da denúncia na CPI da JBS e da representação ao Ministério Público Federal.
Do lado de Moro, além das manifestações agressivas do juiz, houve também reação de Rosângela.
A esposa do juiz postou em seu Instagram uma foto de páginas da Folha de S. Paulo como embrulho de banana e escreveu:
“Imprensa…. para o bem e para o mal. Separam o joio do trigo e publicam o joio.”


Rosângela bateu na Folha


Publicou também uma foto de Zucolotto de gorro, e deu um testemunho sobre ele:
“Sim! É meu amigo. Foi meu sócio, é meu compadre, é parceiro e é do bem. O tempo esclarece tudo ! Enquanto isso seguimos na nossa amizade e de nossas famílias, enlouquecendo mentes criativas e destrutivas. @zucolotto faz o melhor churrasco da vida toda.”
Eu procurei Zucolotto, em dezembro do ano passado, em seu escritório, em Curitiba.
Propus a uma advogada que me atendeu na recepção que ele me desse entrevista gravada. Meu compromisso é que a entrevista seria publicada sem edição. Não tive retorno.
Na CPI da JBS, houve pedido para que ele fosse convocado a depor, mas Zucolotto nunca foi chamado.


Zucolotto no Instagram de Rosângela: “ele é do bem”

A lei é para todos?
No caso de envolver a Lava Jato, não.
Mas ainda há tolos ou desinformados que acreditam na lorota de que o Brasil vive uma nova etapa de sua história, em que ninguém é blindado.
No Brasil, ainda cola.
Mas, na Interpol, a máscara de Moro como herói caiu.
Ao cancelar o alerta vermelho de Tacla Durán, o Interpol emitiu o sinal de que a decisão dele não tem valor.
.x.x.x.x.
PS 1: Enviei três perguntas a chefe da Interpol no Brasil, delegado da Polícia Federal Rodrigo Bartolamei:
1) Como o senhor recebeu esta decisão?
2) Considera que o Brasil foi desautorizado/desmoralizado?
3) O que fazer para que situações desse tipo, que prejudicam a imagem do Brasil no exterior, não se repitam?
A assessoria de imprensa da Polícia Federal confirmou o recebimento das perguntas e as encaminhou para Bartolamei, que decidiria se daria resposta ou não. Até agora, 14 horas do dia 8 de agosto de 2018, não respondeu. Assim que responder — e se responder —, serão publicada.
.x.x.x.
PS 2: A íntegra da decisão da Interpol:
A Secretaria Geral da Organização Internacional de Polícia Criminal – INTERPOL vem, por meio deste, certificar que, a partir de hoje, o Sr. Rodrigo TACLA DURAN, nascido em 13 de setembro de 1975, não está mais sujeito a emissão ou difusão de Alerta Vermelho da INTERPOL.
Lyon, 20 de julho de 2018.
Escritório de assuntos jurídicos Secretaria Geral ICPO – INTERPOL
DECISÃO DA COMISSÃO (105ª Sessão, 3 – 5 de julho de 2018)
A Comissão de Controle de Arquivos da INTERPOL (a Comissão), por meio da Câmara de Solicitações, composta por:
Vitalia PIRLOG, Presidente
Petr GORODOV,
Sanna PALOV,
Isaias TRINDADE,
Membros,
Após deliberar a portas fechadas durante sua 105ª sessão, em 5 de julho, a Comissão apresentou a seguinte Decisão:
I. PROCEDIMENTO
1. Em dezembro de 2016, o Sr. Rodrigo TACLA DURAN (o Requerente) protocolou uma petição perante a Comissão.
Após a entrega de todos os documentos exigidos, conforme o Artigo 10 das Regras de Funcionamento da Comissão, o pedido foi julgado procedente e a Comissão informou o Requerente de tal decisão em 4 de janeiro de 2017.
2. Conforme Artigo 5(e, 4) das Regras sobre Controle de Informação e Acesso aos arquivos da INTERPOL (RCI), o Escritório Central Nacional da INTERPOL (NCB) do Brasil e o Requerente foram informados da decisão.
3. Durante sua 99ª sessão (março de 2017), a Comissão concluiu que os dados contestados estavam de acordo com as regras da INTERPOL, aplicadas ao processamento de dados pessoais. O Escritório Central Nacional do Brasil e o Requerente foram informados do resultado.
4. Em 24 de abril de 2018, o Requerente protocolou um pedido de revisão perante a Comissão. Outros comunicados foram enviados à Comissão em relação ao seu pedido em 2 e 10 de maio de 2018.
5. Em 31 de maio, tanto o Requerente quanto o Escritório Central Nacional fonte dos dados contestados foram informados de que a Comissão iria estudar o caso durante a 105ª sessão.
II. FATOS
6. O Requerente é cidadão do Brasil e da Espanha.
7. Ele está sujeito a um alerta vermelho emitido em 14 de setembro de 2016 a pedido do Escritório Central Nacional do Brasil, por acusações de fraude, corrupção e violação de normas de controle cambial.
8. Segue o resumo dos fatos, conforme registrado no Alerta Vermelho: “Brasil: De 1º de janeiro de 2009 a 1º de janeiro de 2015: RODRIGO TACLA DURAN é um especialista em lavagem de dinheiro. Ele está envolvido em diversos crimes. Ele recebia por meio das contas bancárias das suas empresas ou de contas secretas no exterior grandes quantias de dinheiro de três empreiteiras (Mendes Júnior, UTC e Odebrecht) envolvidas na investigação chamada “Operação Lava-Jato”. Alguns dos indivíduos investigados confessaram que essas transferências de dinheiro eram ilegais e que o propósito era criar dinheiro “vivo” para subornar agentes do governo. O diretor de uma empresa reconheceu ter usado os serviços ilícitos de RODRIGO para criar dinheiro em “caixa 2” e disse: “os serviços oferecidos por RODRIGO DURAN eram obter ganhos financeiros por meio de contratos fictícios”. Jan/2009 a Jan/2015, RODRIGO, por meio de contratos falsos com muitas empresas, obteve cerca de R$ 35 milhões. Para viabilizar a lavagem de dinheiro, muitos contratos falsos foram assinados e recibos emitidos, totalizando mais de R$56 milhões. Foram descobertos depósitos milionários feitos em contas de empresas controladas por ele”.
9. Em 18 de novembro de 2016, o Requerente foi preso na Espanha em consequência do Alerta Vermelho. Em 24 de janeiro de 2017, autoridades brasileiras enviaram à Espanha o pedido de extradição por meio de canal diplomático. Em 3 de fevereiro de 2017, ele foi solto mediante entrega do passaporte e apresentação periódica no tribunal.
III. O PEDIDO DO REQUERENTE
10. O Requerente pediu que os dados relativos a ele fossem excluídos. Ele essencialmente alega que: a) Os procedimentos criminais que serviram de base para o alerta vermelho foram transferidos do Brasil para a Espanha; b) Não se espera que seu direito ao devido processo legal e suas garantias de um julgamento justo sejam respeitados no Brasil; c) A Espanha negou o pedido de extradição feito pelas autoridades brasileiras.
IV. MARCO LEGAL APLICÁVEL
11. Disposições gerais:  Segundo o Artigo 2(1) da Constituição da INTERPOL, a Organização deve “garantir e promover a maior assistência mútua possível entre todas as autoridades policiais dentro dos limites das leis existentes em diferentes países e respeitando a Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
12. Campo de competência da Comissão:  Segundo o Artigo 36 da Constituição da INTERPOL, a Comissão garantirá que o processamento de dados pessoais pela Organização seja feito em conformidade com o estabelecido pelo regimento da Organização a respeito da questão.  Segundo o Artigo 3(1)(a) e o Artigo 33(3) do Estatuto da Comissão, os poderes da Comissão estão limitados a controlar se o processamento de dados nos arquivos da INTERPOL atende as exigências legais da INTERPOL aplicáveis.
13. Pedido por revisão:  Segundo o Artigo 42 do Estatuto da Comissão: “(1) Pedidos por revisão da decisão da Câmara de Solicitações podem ser feitos apenas quando têm base na exibição de fatos que possam levar a Câmara de Solicitações a uma conclusão diferente se o fato já era conhecido na época em que o pedido estava sendo processado. (2) Os pedidos de revisão devem ser feitos dentro de seis meses após a descoberta do fato”.
14. Questões de extradição:  Segundo a Resolução da Assembleia Geral da INTERPOL AGN/53/RES/7 de 1984, “se alguns países se recusam a extraditar, o fato é relatado aos demais Escritórios Centrais Nacionais em um adendo ao alerta original”.
V. CONCLUSÕES
15. Ao revisar as questões levantadas, a Comissão usou como base para as suas conclusões informações fornecidas pelo Requerente, os Escritórios Centrais Nacionais interessados e a Secretaria Geral da INTERPOL.
A. Pedido de revisão
a) O Requerente
16. O Requerente alega que, em 11 de abril de 2018, uma decisão proferida pelo juiz que preside a ação penal contra ele no Brasil transferiu parte da ação para a jurisdição espanhola, que havia expressado anteriormente sua disposição de tramitar a ação em seus tribunais. O Requerente também afirma que a parte do processo que não foi transferida para a Espanha já havia sido arquivada no Brasil, em 24 de abril de 2018.
17. O Requerente argumenta que seu direito ao devido processo legal e a um julgamento justo seria violado se ele fosse enviado de volta ao Brasil para responder às acusações. Ele afirma que o juiz que preside a ação demonstrou repetidamente parcialidade contra ele ao não permitir que ele testemunhasse em outras ações, tendo declarado em decisões judiciais que não se pode confiar na palavra do Requerente, pois ele é uma pessoa acusada de crimes e um fugitivo internacional, e tendo falado com a imprensa sobre as acusações feitas pelo Requerente em relação à corrupção de pessoas próximas ao juiz.
18. O Requerente afirma que a extradição ao Brasil foi negada pelas autoridades espanholas em 25 de julho de 2017 e que, em tal decisão, as autoridades espanholas expressaram disposição de tramitar em seus tribunais a ação penal contra ele, caso solicitado pelas autoridades brasileiras.
b) Conclusões da Comissão
19. A Comissão relembrou que de acordo com o Artigo 42 do Estatuto da CCF “(1) “(1) Pedidos por revisão da decisão da Câmara de Solicitações podem ser feitos apenas quando têm base na exibição de fatos que possam levar a Câmara de Solicitações a uma conclusão diferente se o fato já era conhecido na época em que o pedido estava sendo processado. (2) Os pedidos de revisão devem ser feitos dentro de seis meses após a descoberta do fato”.
20. A Comissão avaliou as alegações do Requerente à luz do Artigo 42 de seu Estatuto, segundo o qual a parte que busca a revisão de uma decisão da Comissão deve apresentar um fato que: seja novo, poderia ter levado a Comissão a tomar uma decisão diferente se fosse de conhecimento na época em que o pedido começou a ser processado e seja apresentado à comissão dentro de até seis meses após a descoberta do fato.
21. Neste caso, informações fornecidas pelo Requerente e confirmadas pelo NCB demonstram que, no dia 11 de abril de 2018, ou seja, após a Decisão tomada pela Comissão em 2 de março de 2017, parte do processo contra o Requerente foi transferido da jurisdição brasileira para a espanhola.
22. A Comissão também levou em consideração matérias jornalísticas enviadas pelo Requerente a respeito da conduta do juiz responsável pela ação penal no Brasil, informações fornecidas pela NCB, além de uma pesquisa de fontes abertas a respeito da questão.
23. A Comissão decidiu que tais elementos eram fatos novos que poderiam ter levado a Comissão a tomar uma decisão diferente se fossem de conhecimento na época em que o pedido começou a ser processado e confirmou que foram apresentados pelo Requerente dentro do período de seis meses.
24. Com base no acima exposto, a Comissão conclui que os critérios para a revisão do caso foram atendidos e decide examinar as alegações do Requerente em vista dos fatos novos.
25. A Comissão também analisou um terceiro argumento do Requerente a respeito da recusa das autoridades espanholas de extraditá-lo em 25 de julho de 2017. Observa-se que tal informação não foi apresentada pelo Requerente dentro dos seis meses e, portanto, a Comissão não considerou esse argumento ao tomar sua decisão.
B. A Transferência dos processos: Ne bis in idem
a) O Requerente
26. O Requerente alega que na decisão da Sala del Penal de la Audiência Nacional que negou sua extradição, no dia 25 de julho de 2017, o tribunal declarou que, caso as autoridades brasileiras o solicitassem, ele poderia ser processado perante a justiça da Espanha.
27. No dia 4 de setembro de 2017, antes da Sección de la Sala de lo Penal de la Audiência Nacional, um novo processo criminal (querella) foi iniciado contra o Requerente, em aplicação da legislação penal espanhola. Alegando que a existência de dois processos distintos perante jurisdições diferentes, mas baseados nos mesmos fatos seria uma violação do princípio de ne bis in idem, o Requerente solicitou ao Superior Tribunal de Justiça que julgasse a decisão sobre a querella, para que somente o processo espanhol continuasse.
28. O Requerente alega que, em 11 de abril de 2018, o juiz que presidiu o processo no Brasil emitiu uma decisão determinando a transferência de parte do processo judicial para a jurisdição da Espanha. O requerente também afirma que a parte do processo que não foi transferida para a Espanha já havia sido arquivada no Brasil, no dia 24 de abril de 2018.
29. Como as autoridades espanholas, que agora são responsáveis pelo processo penal contra ele não solicitaram que o Alerta Vermelho fosse mantido, e como o status dos demais processos no Brasil não é claro, o Requerente solicita que o Alerta Vermelho seja cancelado.
b) O NCB do Brasil
30. O NCB do Brasil afirma que o Alerta Vermelho foi emitido no início das investigações sobre as atividades criminosas do Requerente, especialmente relacionadas à lavagem de dinheiro. Desde então, o Requerente foi processado no Brasil em três processos criminais diferentes, com múltiplas acusações de lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa.
31. O primeiro desses processos refere-se a cinquenta acusações de lavagem de dinheiro e permanece totalmente sob a jurisdição brasileira. As autoridades brasileiras solicitaram a colaboração das autoridades espanholas para notificar o Requerente e estão atualmente aguardando resposta.
32. No segundo processo, as acusações ao Requerente são relativas à lavagem de dinheiro e à participação em organização criminosa. As autoridades brasileiras ainda precisam apresentar uma solicitação de cooperação internacional para que o Requerente seja notificado sobre as acusações.
33. Apenas uma pequena parte do terceiro processo relativo à lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa foi transferida para a jurisdição espanhola. No entanto, o restante do caso, relativo a 95 acusações de lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa, permanece total e ativamente sob jurisdição brasileira.
34. Além disso, de acordo com o NCB, a ordem de prisão preventiva referente ao Requerente, que é a base para a emissão do Alerta Vermelho, permanece em vigor.
c) O NCB da Espanha
35. O NCB de Espanha foi consultado no dia 12 de junho de 2018 sobre quaisquer novas medidas que o NCB do Brasil pudesse ter tomado para assegurar uma maior cooperação em relação ao caso do Requerente.
36. O NCB confirmou que nenhuma outra medida foi solicitada pelo NCB do Brasil depois de as autoridades judiciais espanholas terem recusado a extradição do Requerente, em 25 de julho de 2017.
d) Conclusões da Comissão
37. Como mencionado anteriormente, de acordo com o artigo 3(1)(a) e 33(3) do Estatuto da Comissão, a função da Comissão é rever se o processo de dados nos autos da INTERPOL cumpre as exigências da INTERPOL de acordo com o Artigo 36 de sua Constituição. A Comissão não tem o poder de conduzir uma investigação, pesar provas ou de decidir sobre o mérito de um caso. Essa é a função das autoridades nacionais competentes. A mera apresentação de provas que fundamentariam um relato contrário exigiria que a Comissão avaliasse a confiabilidade da prova de uma maneira que deveria ser realizada na audiência de julgamento ou de extradição.
38. O Requerente apresentou uma decisão emitida pelo 13º Vara Federal de Curitiba/PR, Brasil, em 11 de abril de 2018, para transferir parte dos processos instituídos pelas autoridades brasileiras com relação à lavagem de dinheiro contra o Requerente. O Requerente também afirma que a parte restante do processo, que não foi transferida para a Espanha, já havia sido arquivada no Brasil.
39. A Comissão notou que a decisão das autoridades judiciárias brasileiras é limitada a um dos três processos penais que estão atualmente pendentes no Brasil contra o Requerente por várias acusações de lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. Além disso, a Comissão tomou nota de que esta última não é mencionada no Alerta Vermelho.
40. A Comissão considera que, tendo em vista a natureza limitada da transferência do processo para Espanha, não pode considerar que teria havido uma transferência do processo que constitui a base do Alerta Vermelho e, portanto, uma violação do princípio de ne bis in idem neste caso.
C. Artigo 2º da Constituição da INTERPOL
a) O Requerente
41. O Requerente alega que seu direito ao devido processo legal teria sido violado e que não há garantias de que ele seria submetido a um julgamento justo se fosse mandado ao Brasil para enfrentar acusações criminais. Segundo ele, os casos decorrentes da operação Lava Jato são de grande importância e causam polêmica no Brasil, pois envolvem várias figuras políticas de alto nível e empresas importantes.
42. Afirma que após seu depoimento perante a Comissão Parlamentar de Inquérito, durante o qual expôs irregularidades processuais realizadas pelo Judiciário brasileiro, especialmente em relação à operação Lava Jato, três congressistas apresentaram um pedido para que três promotores responsáveis pelo caso e um advogado fossem investigados em relação a crimes de fraude processual, adulteração de provas e violação das prerrogativas do advogado, entre outros. De acordo com o Requerente, por ter exposto tal “teia de tráfico de influências e corrupção” no sistema judiciário brasileiro, inclusive na operação Lava Jato e em torno do juiz responsável pela mesma, ele não teria um tratamento justo por parte do sistema judiciário brasileiro e estados e que ele até temeria por sua vida se ele retornasse ao país.
43. Além disso, a Requerente alega que o juiz que presidiu o caso contra ele desrespeitou o princípio da imparcialidade, consagrado na legislação brasileira sobre funções judiciais (Lei Orgânica da Magistratura). Embora o Requerente não peça que a Comissão declare que o juiz está violando a legislação acima mencionada, ele solicita que se estabeleça que foram levantadas dúvidas suficientes sobre se ele teria julgamento justo e imparcial no Brasil.
44. Fundamentando tal alegação, a Requerente afirma que os advogados de defesa do ex-Presidente Lula da Silva tentaram, em várias ocasiões, convocá-lo como testemunha em um dos casos contra o Sr. da Silva. O juiz que presidia o caso negou repetidamente tais pedidos, afirmando que a palavra do requerente não poderia ser invocada, como ele é uma pessoa acusada de crimes e é um fugitivo internacional. Além disso, o juiz falou com a mídia sobre ele, afirmando que ele é um mentiroso, antecipando assim o seu julgamento sobre o Requerente.
45. Além disso, o Requerente afirma que, ao tentar notificá-lo das acusações contra ele pendentes, a jurisdição brasileira deliberadamente enviou documentos para um endereço diferente daquele indicado nos mandados emitidos pela Espanha e pelo Brasil. Segundo o Requerente, isso apontaria para uma motivação oculta do juiz que preside o caso.
a) A NCB do Brasil
46. Na sua resposta, o NCB do Brasil afirmou que os argumentos do Requerente são falsos e infundados e, simplesmente, uma tentativa de escapar das consequências legais no Brasil por suas ações criminosas.
47. Além disso, afirmou que o direito a um julgamento justo é garantido pela legislação brasileira e pela Constituição Federal. Os direitos de acesso à justiça, à isonomia perante a lei, a um julgamento perante juízo imparcial, com base em provas obtidas legitimamente e ao direito de defesa e ao contraditório, entre outros, estão consagrados no ordenamento jurídico brasileiro e são observados em todos os quatro níveis jurisdicionais onde o processo criminal contra o Requerente será submetido. O Judiciário no Brasil é imparcial, assegurando a todos aqueles que são levados a julgamento a plena observância de seus direitos e apreciação judicial de acordo com os fatos e evidências relatados no processo.
48. Além disso, os argumentos atualmente apresentados pelo Requerente foram discutidos perante os diferentes níveis jurisdicionais no Brasil e foram todos rejeitados.
49. O NCB declarou que os processos contra o Requerente continuam válidos e em curso. O mandado de prisão permanece válido e fundamenta o Alerta Vermelho da INTERPOL, e não há motivo para ser revogado.
b) Conclusões da Comissão
50. De acordo com o artigo 34 (1) da RPD, os dados devem ser tratados nos autos da INTERPOL em conformidade com o Artigo 2 da Constituição da Organização, ou seja, especialmente com o espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A fim de respeitar o espírito da DUDH e, ao mesmo tempo, respeitar o papel limitado da Comissão, a Comissão considera todas as informações relevantes para determinar se o Requerente demonstrou convincentemente a probabilidade de ter havido um flagrante cerceamento de defesa.
51. Em primeiro lugar, a Comissão observou que as garantias de acesso à justiça, bem como os princípios da isonomia perante a lei, imparcialmente do Judiciário e dos direitos fundamentais, como ampla defesa e contraditório, estão de fato consagrados na Constituição Federal Brasileira e sistema jurídico do país.
52. A Comissão lembrou que não é seu papel avaliar o sistema jurídico ou judicial de um país in abstracto e que deve determinar com base em informações específicas que esclarecem se o quadro legal da INTERPOL foi ou não cumprido num determinado caso.
53. A Comissão considera que as alegações apresentadas pelo Requerente de que, devido à conduta do juiz responsável por presidir o caso no Brasil, existem dúvidas suficientes em relação ao fato de uma violação ao Artigo 2 da Constituição da Interpol ter existido.
54. Nesse contexto, o requerente apresentou evidências, facilmente verificáveis através de pesquisas públicas, para apoiar sua afirmação de que o juiz se pronunciou publicamente contra ele durante entrevista e, ao negar petições para que ele prestasse depoimento como testemunha em outros casos, emitiu opinião a respeito da veracidade de qualquer informação que ele pudesse apresentar.
55. A Comissão afirma que os elementos apresentados pelo NCB da Interpol não são suficientes para rebater tal disputa.
56. A Comissão considera, também, que nenhuma investigação formal está em curso a respeito das acusações apresentadas pelo requerente durante seu testemunho perante o Congresso brasileiro, mesmo meses após uma representação formal baseada em suas alegações ter sido apresentada por deputados ao Ministério Público.
57. A Comissão afirma, também, que a informação apresentada pelo NCB não foi suficiente para esclarecer a situação.
PELOS MOTIVOS EXPOSTOS, A COMISSÃO
58. Decide que as condições para revisão estabelecidas nos termos do Artigo 42 do Estatuto do CCF foram observadas.
59. Decide que os dados referentes ao Requerente não estão em conformidade com as regras da INTERPOL aplicáveis ao processamento de dados pessoais e que devem ser excluídos dos arquivos da INTERPOL.

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