Requião: Como Serra e Jucá pretendem promover agiotagem com títulos públicos

Viomundo - 09 de agosto de 2017

A farsa do Projeto Serra-Jucá: o ARO disfarçado
Roberto Requião*
Volta à discussão nesta Casa o Projeto de Lei do Senado – PLS 204/2016, de autoria do Senador José Serra, cujo conteúdo já havia sido discutido e rejeitado pelo plenário em dezembro do ano passado e remetido à Comissão de Assuntos Econômicos para nova discussão. Na Comissão de Assuntos Econômicos – CAE, assumiu um novo relator, o senador Romero Jucá.

Como sempre lesto e profícuo, desde o dia dez de julho, o senador tem o relatório pronto.
O que se vê é um claro esforço do governo Temer para que se evite o aprofundamento da discussão. O que se quer é a aprovação imediata do PLS com os olhos e ouvidos dos senadores bem fechados.
Afinal, são tantas as armadilhas conceituais e semânticas que caracterizam esse projeto que o governo foge do debate, para que intenções pouco republicanas não sejam desnudadas.
Logo de início, o PLS omite o objetivo de se criar uma empresa estatal nebulosa, mascarando a entidade como “pessoa jurídica de direito privado” e, no relatório do Senador Jucá, como “instituição privada”.
Essa manobra procura esconder que o que está sendo gestado é uma empresa estatal principalmente financeira supostamente independente, o que confronta a Constituição Federal, que só admite criação de empresa estatal “que atenda aos requisitos de relevante interesse público ou segurança nacional”, conforme expressa com toda a clareza o artigo 173 da Carta Magna.
Nos estados e municípios onde esse esquema já foi armado, a empresa criada foi denominada “empresa estatal não dependente”, com claro objetivo de fugir dos limites e dos controles da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei das Licitações.
A essência de empresas de desse tipo consiste em:
Emitir derivativos financeiros com garantia estatal (debêntures), comprometendo-se a pagar juros abusivos, que pela experiência prévia chegam a mais de 23% ao ano;
Receber toda a receita decorrente de multas e juros sobre créditos arrecadados da União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
Receber imóveis públicos em doação, para em seguida serem leiloadas, sob a alegação de que tais recursos seriam aplicados em atividades do interesse do município. Temos aqui o exemplo de Belo
Horizonte, onde um leilão foi suspenso por ordem judicial devido à ação popular que questionou os valores e as condições oferecidos;
Participar de Parceria Público Privada, mediante a mercantilização de ativos do setor público.
Esclareça-se que o PLS do relator Romero Jucá, com base em iniciativa inicial do Senador José Serra, só trata de forma explícita dos itens um e dois acima; ou seja: a emissão de derivativos e o recebimento de multas e juros sobre créditos. Não se sabe o que está implícito sob a nuvem de fumaça da intricada terminologia jurídica e financeira usada nesse projeto de lei.
Os outros itens estão sendo aplicados onde já existem tais empresas, como no Estado de São Paulo (CPSEC – Companhia Paulista de Securitização) e em Belo Horizonte (PBH Ativos SA).
Mas, nada evitará que todos os itens venham a ser adotados tão logo o projeto seja eventualmente aprovado. Afinal, este querem aplicar esse modelo de jogatina financeira universalmente.
Entretanto, vamos esmiuçar como o sistema funciona, sob quaisquer denominações.
A armação inicia-se com a transferência do chamado “direito ao recebimento do crédito” da União, Estado ou Município para a empresa que o PLS pretende criar.
Esse “direito”, em tese, corresponde à concessão de garantia pública e, adicionalmente, dos valores de multas e juros pagos em atraso pelos contribuintes. Mas na verdade e nada mais nada menos uma Antecipação de Receita Orçamentária – ARO, o que é vedado por lei no Brasil.
Em seguida, à “concessão do direito”, a empresa emite derivativos financeiros, em especial debêntures, sob garantia do setor público.
Tais debêntures rendem juros estratosféricos, e são lançados mediante “esforços restritos de colocação”. Isso significa que não há oferta pública desses papéis.
Com isso, foge-se do controle da CVM, que trata apenas de oferta pública, e evita-se concorrência entre os investidores. Ou seja, permite-se com essa liberalidade oferecer os títulos a preços de ocasião para “os amigos”.
Enfim, é uma forma descarada de favorecimento a alguns apaniguados do sistema financeiro e bancário que serão, em última instância, os beneficiários desse processo.
Além de favorecer alguns “amigos” do rei, o esquema proposto nesse projeto caracteriza-se como uma operação de crédito disfarçada, ilegal e extremamente onerosa para o Estado, um ARO.
Em Belo Horizonte, onde esse escabroso esquema foi implantado, o município teria recebido 200 milhões de reais, no entanto registrou uma obrigação no valor de 880 milhões de reais.
Note-se que, em último caso, pretende-se fazer uma operação escandalosamente direcionada por certas lideranças políticas em conluio com alguns privilegiados.
Voltando a Belo Horizonte: o banco BTG Pactual, citado na Lava-jato, e que se diz vinculado ao ministro Henrique Meirelles, foi ao mesmo tempo o coordenador líder da emissão dos derivativos (debêntures) e o comprador único de 100% desses papéis, ou seja, estava dos dois lados do balcão ao mesmo tempo.
Este, senhoras e senhores, é o verdadeiro negócio.
E que negócio! Trata-se, pura e simplesmente, de uma operação de agiotagem a que não corresponde absolutamente nenhum tipo de trabalho real.
Que negócio!
Parabéns para as “mentes criativas” que o inventaram e para os bobos que acham que poderão aprovar isso impunemente contra o interesse público, enquanto nosso povo sofre grandes privações!
*Roberto Requião é senador da República no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba, deputado estadual, secretário de estado, empresário, agricultor e advogado. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação.
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