O HERÓI MONETÁRIO DE GASPARI E O BANCO CENTRAL AUTÔNOMO

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Elio Gaspari (foto) descobriu um herói do sistema de bancos centrais independentes na figura de um russo, Ivan Shipov, que recusou a liberação de dinheiro aos comissários do Lênin na revolução de 1917. É evidente a simpatia do jornalista para com esse banqueiro central que se dizia autônomo, certamente dentro da onda de valorização de bancos centrais independentes receitados para países em desenvolvimento desde os anos 80 até hoje. Na pena de um economista de banco que defende interesses próprios, pode ser considerado algo justificável. Na pena de Gaspari não passa de uma rematada bobagem.

A primeira coisa que ele deveria ter feito era investigar a natureza do Banco da Rússia em 1917. Teria descoberto que, diferentemente de qualquer banco central convencional dos nossos dias, era um banco criado no século XVIII nos moldes do Banco da Inglaterra, porém como uma entidade estatal dedicada ao comércio e à industria. Isso lhe dava enorme superioridade quanto à defesa de uma política monetária de interesse público, não comandada pela alta finança, como o banco inglês. É que o liberalismo econômico imposto pela Inglaterra ao mundo servia muito bem aos interesses dos ricos, não a povos de países em desenvolvimento como a Rússia.

Vou dar um exemplo. Quando surgia um déficit comercial na Inglaterra por conta de quebra de colheitas, por exemplo, o Banco deixava a libra valorizar-se livremente. Como consequência, fluxos de ouro (estávamos no tempo do padrão-ouro) entravam no país para se aproveitarem de juros mais elevados, consequência da valorização da libra, até equilibrar a balança comercial. O processo poderia implicar inflação, por causa dos juros e do câmbio mais elevado, mas acabaria contrabalançado pelo aumento das importações. Nesse esquema, a economia liberal, supostamente, entraria em equilíbrio comercial e financeiro.

Agora vejamos a situação do ângulo de um país em desenvolvimento que estivesse em relações comerciais com a Inglaterra. O déficit comercial em manufaturas revelaria uma incapacidade de gerar divisas, a não ser que se deixasse a taxa de câmbio e a taxa de juros serem elevadas a níveis insuportáveis, gerando inflação. O reequilíbrio dificilmente seria atingido exceto na base de uma moratória, já que não haveria mecanismo estável, sobretudo num contexto de economia liberal, de redução ou eliminação do déficit comercial. Nós experimentamos algo parecido nos anos 80 e 90, com a crise da dívida externa.

Voltemos ao Banco Central autônomo de Elio Gaspari. O grande modelo do tipo é o Banco da Inglaterra, que foi privado, depois público, e agora autônomo. Como um país de produção de manufatura, e não de produtos primários, ele pode se dar o luxo de fingir certa autonomia. Na verdade, ela opera conjuntamente com o Tesouro. O mesmo, de maneira ainda mais formal, acontece com o o FED (banco central norte-americano) e o Banco do Japão. Para se ter ideia da “autonomia” do FED, o Tesouro sacou sobre ele R$ 7 trilhões em seis anos, depois da crise de 2008. Já dos saques do Tesouro sobre o Banco do Japão perdi a conta.

Nesses dois casos, mesmo que a economia não tenha entrado em boom, houve considerável queda do desemprego. Já no terreno próprio de um banco tipicamente autônomo, o Banco Central Europeu, temos visto uma situação de terra arrasada: alguém gostaria de iniciar uma vida profissional na Grécia, na Espanha, na Itália, na Irlanda, em Portugal e mesmo na França? Todos esses países exibem retração ou crescimento extremamente baixo, em alguns casos com terríveis taxas de desemprego. O que falta a eles? Talvez ordem de um novo Lenin ao Ivan Shipov do atual BCE para que seja entregue à Europa do euro dinheiro suficiente para uma retomada da economia e do emprego!

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