Nassif: Eike, a celebração ritual do linchamento

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por Luis Nassif - no GGN - 31/01/2017

O linchamento, moral ou físico, é ritual tão antigo quanto a civilização. A crucificação de Cristo foi celebrada. É o momento em que o pequeno pode atingir o grande, em que o anônimo se vinga dos célebres, o medíocre consegue seu momento de destaque. E todos se igualam, se democratizam na forma de manifestação ancestral: o ato de devorar a alma do inimigo, que pode ser qualquer um que as circunstâncias colocam do lado errado da onda.
Por isso mesmo, os shows mais estridentes de linchamento são aqueles direcionados contra celebridades, políticos, artistas, empresários, especialmente se acusado de corrupção. É muito mais saboroso do que o linchamento físico de um ladrão anônimo.

Nesses momentos, ocorre a grande catarse nacional, o país dividido se irmana, pobres e ricos na grande corrente prá frente Brasil, tendo em comum o riso sádico, o sangue escorrendo do canto da boca, a justificativa para sua vida medíocre.
O jornalismo é o exercício do caráter, dizia Cláudio Abramo. Conhece-se uma imprensa pela maneira como se comporta ante o linchamento.
Em países civilizados, a chamada imprensa de opinião, aquela que fiscaliza os grandes temas nacionais, pode ser mais conservadora ou progressista, pode se dividir entre liberalismo econômico e Estado social, pode apoiar o partido conservador ou o liberal. Mas tem em comum regras de conduta de comportamento à altura de seu público.
1.    Bater em adversário caído é covardia. Na sociedade do espetáculo não há cena mais significativa do que a de Mohamed Ali evitando o último soco sobre um George Foreman que desabava.
2.    Há sempre espaço para o belo gesto, o gesto de solidariedade para com a desgraça que recai sobre um adversário ou o reconhecimento de uma injustiça flagrante contra terceiros. Permanecerá para sempre nas retinas de quem viu, o gesto dos jogadores do Ajax. Depois de marcar um gol inadvertidamente no adversário, em uma devolução de bola, todos os jogadores do Ajax ficam imóveis na saída de bola do adversário, permitindo o gol de empate.
Em outros tempos, testemunhei alguns belos gestos na velha imprensa, como a defesa que os Mesquita faziam de seus jornalistas perseguidos pela ditadura.
Esses resquícios de nobreza desapareceram completamente do jornalismo brasileiro. O uso continuado do jornalismo de esgoto moldou definitivamente o caráter da mídia pátria. O linchamento se tornou peça central de qualquer cobertura, o momento de catarse, a explosão da audiência. A mesquinharia, a parcialidade ostensiva, a grosseria diária modelaram o caráter da mídia.
Um jornal é a explicitação do caráter de seus proprietários.
Com a Globo perseguindo durante o dia inteiro Eike Batista, disputando imagens dele com a cabeça raspada, levantando o que ele comeu na viagem, detalhando as condições da prisão, com colunistas de vários jornais, revistas desancando o sujeito que, quando bem-sucedido, era o mais paparicado personagem da mídia, pergunto: qual a diferença entre o caráter dos Marinhos e das senhoras que se postaram em frente ao Sírio Libanês com cartazes contra Dona Mariza? Apenas uma: as senhoras eram toscas demais para o exercício da hipocrisia.
Não se trata da inevitabilidade do conservadorismo político. Trata-se de baixo nível.

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