Lava Jato: surge nova denúncia de irregularidade

Marcelo Auler

O que desde julho/agosto era falado em conversas em “off”, papos de corredor, e chegou a ser dito até por um sindicalista boquirroto, que um dia se vangloriou de ter denunciado a situação a membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mas, no dia seguinte, garantiu jamais ter comentado o assunto,  hoje encontra-se oficializado.
Em dois depoimentos – o primeiro em Brasília, o outro em Curitiba, nesta última semana – a delegada federal Tânia Fogaça, da Corregedoria Geral (Coger) do Departamento de Polícia Federal (DPF), registrou que policiais da Força Tarefa da Lava Jato tentaram obter dados sigilosos de pessoas com foro privilegiado. Tudo sem a autorização da Justiça Federal.
Juiz José Orlando Bremer: "se meu alvará foi usado na Lava Jato, fui traído"  - foto - site da POlicia Militar (PR)
Juiz José Orlando Bremer: “se meu alvará foi usado na Lava Jato, fui traído” – foto – site da POlicia Militar (PR)
Para tal, utilizaram um Alvará que o  juiz estadual José Orlando Cerqueira Bremer, ainda na Vara Criminal de Pinhais, município vizinho à Curitiba, concedeu à Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Superintendência Regional do DPF no Paraná (SR/DPF/PR). Visava um trabalho de monitoramento de traficantes de drogas, possivelmente ligados ao PCC – pelo que diz – que poderiam estar abastecendo aquela cidade.
“Se meu Alvará foi usado na Lava Jato, eu fui traído”, desabafou Bremer, hoje na 1ª Vara Criminal de Curitiba, na quinta-feira (03/12).
Os depoimentos foram prestados pelo delegado federal Paulo Renato Herrera e por um dos advogados da Odebrecht Antônio Augusto de Arruda Botelho.
Os dois vêm sendo apontados por delegados que comandam a Lava Jato – Igor Romário de Paulo, delegado Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR); Érica Mialik Marena -chefe da Dlegacia de Combate aos Crimes Financeiros (DELEFIN); e Márcio Anselmo Adriano, da Delegacia de Combate aos Crimes Fazendário (DELEFAZ) e quem oficialmente cuida da operação – como prováveis responsáveis por um possível dossiê com informações capazes de prejudicar a Operação. Os denunciantes juntam aos dois o advogado Marden Maués, que defendeu a doleira Nelma Mitsue Penasso Kodama, e o ex-agente federal Rodrigo Ganazzo. Tal dossiê, como já dissemos antes, jamais apareceu

Uma das informações, pelo visto, pode ser esta tentativa de usar o Alvará. Embora destinado às investigações de tráfico de drogas, teriam tentado com ele obter dados de cadastros telefônicos e exstratos de ligações de números registrados entre as  ligações dos doleitos, presos em março de 2014. Não se falou em grampos telefônicos ilegais.
Na sexta-feira (04/12), antes de retornar ao Rio de Janeiro, o blogueiro procurou os principais operadores da Operação Lava Jato em Curitiba, incluindo Ministério Público Federal, delegados federais e o próprio superintedente do DPF no Paraná, Rossalvo Ferreira Franco. O e-mail narrou esta estória e o desabafo do juiz Breme, mas só mereceu resposta de um deles. Ainda assim em “off”, isto é, com o compromisso de não aparecer seu nome.
“Se suas fontes são Paulo Renato Herrera e Antônio Botelho, então recomendo que procure outras. Nao vi nada de concreto no relato abaixo”,  escreveu, alegando não ter tempo para um encontro pessoal.
Se o Álvará – conhecido em Curitiba como Alvará Metropolitano por, segundo as os policiais, ter uma abrangência ampla – foi usado em outras oportunidades na Operação Lava Jato, não existe informação confirmada. Mas, no caso relatado, um dos delegados da Força Tarefa entregou pessoalmente um ou mais números de celular(es) ao agente da DRE que fazia o contato com as operadoras. Queria os dados cadastrais e extratos de ligações.
A surpresa foi quando a operadora – que o blog ainda não identificou – por e-mail, negou-se a atender ao pedido por se tratar de número corporativo e de pessoa com foro especial. Com a resposta, policiais da DRE chegaram a protestar com os colegadas da Força Tarefa da Lava Jato por terem praticamente forçado a barra na tentativa de descobrir dados de personagens que só o Supremo Tribunal Federal (STF) poderia autorizar. Caso conseguissem os dados, passariam por cima do foro especial e evitariam a transferência de todo o caso para o STF. Acabaram criando um problema na relação de confiança entre os policiais e o juiz Bremer.
Pelo que foi relato ao blog – por serem operações suspeitas, há certo silêncio a respeito – tratava-se possivelmente do telefone de um (ou dos dois) ex-deputados que hoje estão presos e condenados: Luiz Argôlo (SD-BA)  e/ou André Vargas (PT/PR). Como Vargas foi cassado em dezembro de 2014, justamente por conta das ligações com o doleiro Alberto Youssef, a tentativa de obter as informações do telefone teria ocorrido antes da perda do mandato. Argolo não se reelegeu. Os dois foram presos na 11ª fase da Lava Jato, em 10 de abril passado e já se encontram condenados pelo juiz Sérgio Moro. Vargas a 14 anos e quatro meses de reclusão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, na negociação de contratos de publicidade com o governo. Já Argôlo foi condenado, em novembro, a 11 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
Desconfiança dos “dissidentes” – A desconfiança com relação à denúncia dos dois depoimentos prestados à Corregedoria já era previsível. Como o blog noticia desde agosto – “Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR” - ambos são vistos como “dissidentes” e investigados no Inquérito 737/2014. Ele foi instaurado na SR/DPF/PR por iniciativa do delegado Igor Romário. Oficialmente, foi aberto para apurar possivel prática de crime de violação de siigilo profissional.
Igor fez três informes ao superintendente Rosalvo com denúncias de que um dossiê estava sendo oferecido aos advogados de defesa. A base das suas informações são o que ele denominou “fontes humanas”, incluindo um jornalista. Nem mesmo à Corregedoria, quando interrogado pela delegada Tânia, identificou suas “fontes humnas”.
Este é o inquérito instaurado pelo delegado Mario Renato Castanheira Fanton, de Bauru (SP), chamado à Curitiba para auxiliar nas investigações. No curso do seu trabalho, ele detectou algumas das irregularidades denunciadas internamente na superintendência por agentes e delegados, entre os quais Herrera. Segundo alguns policiaisi garantiram ao blog, Faton e Herrera jamais se encontraram.
Por recusar a interferência na sua apuração dos colegas Igor Romário, Danielle Grossenheimer Rodrigues, chefe da Delegacia de Informações Policiais (DIP) e mulher do primeiro, e Maurício Moscardi Grillo, chefe do Grupo de Investigações Sensiveis (Gise), Fanton viu-se queimado com a cúpula da superintendência. E não teve renovada a sua convocação.
Como reportamos em Lava Jato: DPF delega imvestigação sobre vazamento, em maio, deu-se o choque entre ele e os delegados que o convocaram. Tudo culminou com o agente federal Dalmey Fernandes Werlang, que atuava ao seu lado, no dia 4/05, confessar-lhe a colocação do grampo na cela reservada para o doleiro Alberto Youssef. Disse tê-lo feito a mando de Igor, Rosalvo e de Márcio Anselmo. O depoimento de Dalmey apresentamos em Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR
Também surgiram com Dalmey as explicações de que a sindicância comandada pelo DPF Moscardi, então chefe do Grupo de Investigações Sensíveis (GISE), em torno da escuta encontrada na cela de Youssef, foi feita já com o objetivo de encobrir a realidade. Isto foi explicado em “Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade”. Após divergir da cúpula da SR/DPF/PR, Fanton juntou os papéis e voou para Brasília. A partir de então o IPL 737/2014 passou a ser presidido pela delegada Tânia, da Coger.
Herrera, que até hoje está de licença médica e se trancou, só contou o que sabe em um depoimento, de nove horas e meia, na terça-feira passada (02/12). Estavam a delegada Tânia, o escrivão, outro delegado de nome Renato e um agente federal, todos vindos de Brasília.
Coonforme já relatamos também, ao detectar as irregularidades – grampo na cela, tentativa de obter dados de políticos com foro especial, entre outras – Herrera primeiro procurou os órgãos internos do próprio DPF. Como não obteve resposta, segundo o próprio advogado Maués, aceitou sua sugestão de conversar com Augusto Botelho.
Na ocaisão, este ainda trabalhava com Márcio Thomaz Bastos – isso se deu meses antes da morte do ex-ministro, em 29 de novembro de 2014. O próprio Arruda Botelho, como tinha acompanhado Bastos no Ministério da Justiça, prontificou-se a abrir portas para as denúncias de Herrera, que se preocupava com a legalidade da Operação.
Na época, ainda não havia sido sacramentado o envolvimento direto da Odebrecht – cliente do escritório de Bastos e, hoje, de Arruda Botelho – com a operação. Foi assim que o advogado paulista também soube das tentativas de conseguirem dados de deputados sem passar pelo Supremo. Mas, não são apenas eles que falam disso. O blog confirmou a história com, pelo menos, outras quatro fontes.
“Central de grampos” de Pinhais – O que chateou o juiz estadual do Paraná Bremer foi saber que Arruda Botelho, no depoimento, falou em “central de grampos”. Ele nega com veemência tal hipótese. Mas, da primeira vez que conversou com o blog, em agosto, admitiu que estas operações eram feitas com a Polícia Federal e também com a estadual. Trabalhavam em cima da possível presença do PCC, como explicou, em território paranaense. Depois que se transferiu para a capital, estes trabalhos em conjunto foram suspensos, como lamentam policiais.
Em agosto, ao visitar a Vara Criminal de Pinhais, o blog não o encontrou por lá. Já tinha sido transfertido e substituído pela juíza Daniele Miola. Esta, alegou não poder comentar o assunto pois seu antecessor, ao deixar a comarca, levou consigo “todos os procedimentos pendentes que ele tinha, inclusive estes (dos Alvarás). Não deixou nenhum, para ele mesesmo dar sentença ou prosseguimento. Nem o escrivão do cartório pode falar a respeito, porque não passavam por ele. Por serem procedimentos que envolviam quebra de sigilo, eram em segredo de Justiça e tramitavam dentro do gabinete com os assessores do juiz”.
Por mais incrivel e inusitado que possa parecer um juiz ser removido e levar consigo os processos da Vara, o próprio Bremer confirmou isto ao blog, na primeira conversa:
Como não tive prazo para despachar, dar o último despacho, trouxe todos da vara que estavam conclusos para sentenciar ou despachar. Não deixei nada para os ooutros fazerem”, explicou.
Naquela época (agosto), apesar do susto ao ouvir falar que seus Alvarás poderiam ter sido usados na Lava Jato, garantiu que não partiu dele esta iniciativa. “O Alvará que saiu da minha autorização, saiu de acordo com o pedido e a representação. Eram ligados ao tráfico de drogas”, expôs, admitindo em seguida que “houve momentos em que o número de interceptações era grande”.
Na quinta-feira, ele se mostrava indignado por ter sido traído – e pela expressão “central de grampos de Pinhais” -, mas garantia estar tranquilo. Negou que tomará qualquer providência, prefere esperar para quando lhe pedirem explicações. Diz que agiu de acordo com a lei e que pode mostrar, se solicitado, a relação dos números para os quais deu o Alvará.
O caminho das pedras - Colocar em dúvida a credibilidade do depoimento do delegado e do advogado é imaginável que acontecerá. Até por, como já se disse, oficialmente, os dois ainda serem considerados “dissidentes”.  Muito embora, parte das denúncias que Herrera fez, como a existência dos Alvarás Metropolitanos, ou mesmo o “grampo na cela de Youssef”, estão sendo confirmadas.
O fato é que o que antes se falava nos bastidores, os dois colocaram no papel, hoje em poder da Corregedoria do DPF. Não apurar as denúncias poderá se caraterizar crime de prevaricação. Caso eles tenham “inventado-as” serão responsabilizados por denunciação caluniosa. Risco que dificilmente correriam.
Afinal, segundo o próprio juiz Bremer, o Alvará existiu. Se ele foi ou não usado na Lava Jato, será preciso uma investigação específica. O inquérito quanto a isto poderá ser presidido pela mesma Tânia, mas precisará de autorizações de tribunais superiores – provavelmente o Superior Tribunal de Justiça – até por envolver duas seções judiciárias do Paraná: a estadual, que concedeu a autorização de acesso aos dados; e a federal, onde a investigação da Lava Jato se realiza.
Outra hipótese, não excludente, é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre no caso verificando o papel de cada um e a legalidade do que foi feito.
Certamente haverá ainda a participação do Supremo Tribunal Federal pois, sem dúvida que os advogados dos dois ex-deputados acabarão batendo à porta da mais alta corte para pedirem a investigação de possíveis exorbitâncias cometidas pelos delegados da Força Tarefa da Lava Jato. Tudo com um olho voltado para a tentativa de anularem qualquer parte possível da investiigação realizada. Se isso ocorrer, não será da responsabilidade de mais ninguém além daquele(s) que quis(eram) cortar caminho e usaram atalhos, no mínimo de legalidade discutível.

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