Imigração e refugiados na Europa - O desafio do século

Somente no mês de julho foram mais de 100 mil refugiados que são objeto de rejeição e ódio xenofóbico em diversos países da União Europeia.

Leneide Duarte-Plon, de Paris* - na Carta Maior - 27/08/2015
Marina Militare
Eles são originários do Oriente Médio e do norte da África, mas também do sul do Sahara. Fogem às guerras e à fome. São chamados de migrantes, refugiados, imigrantes ou candidatos ao direito de asilo. Esses homens, mulheres e crianças que chegam diariamente aos milhares a alguns países da Europa, com uma aceleração nos últimos meses, são objeto de rejeição e ódio xenofóbico em diversos países da União Europeia. 
 
Canalizando o medo de uma parte da população que vê nos « invasores » um grande risco para a identidade do continente, os movimentos neonazistas e fascistas de extrema-direita rejeitam qualquer ajuda aos exilados. Estes extremistas estão perdendo totalmente o pudor de expressar a xenofobia que os anima. 

 
Na Alemanha, eles incendiaram  nos últimos meses dezenas de abrigos para migrantes e refugiados que esperam resposta ao pedido de asilo. Nesta quarta-feria, Angela Merkel foi pessoalmente a Heidenau para abrir um centro de abrigo de refugiados e condenar a violência racista. 
 
« Essa crise de migrantes é excepcional e vai durar. Ela é uma questão européia », disse François Hollande na segunda-feira, 24 de agosto, depois de se reunir em Berlim com a chanceler alemã. Discursando diante dos embaixadores acreditados em Paris esta semana, François Hollande reconheceu que « as crises migratórias são as trágicas consequências dos conflitos que se acumulam ». 
 
Só faltou bater um « mea culpa ». A França de seu antecessor, Nicolas Sarkozy, participou com grande empenho do bombardeio da Líbia, que destituiu o ditador Kadhafi e abriu as portas para o caos atual, onde reinam todos os tipos de tráficos de armas e de máfias responsáveis por organizar a passagem de migrantes para o continente europeu.
 
Itália e Grécia, principais portas de entrada
 
Os países mais atingidos por essa massa migratória, utilizados como porta de entrada da União Europeia, são a Itália e a Grécia, mas os Balcãs também servem de passagem para chegar à Europa pela Hungria. Por isso, o governo húngaro está construindo um muro em toda a sua fronteira sul. 
 
Mas essa não é uma solução.
 
A solução do problema migratório na Europa é política e deve ser resultado de uma visão comum, pensam Hollande e Merkel. Em maio, a Comissão Européia apresentou um « plano de ação » que repartia os migrantes entre os países da União num total de 40 mil em dois anos. Mas em junho, os países da UE reijeitaram as quotas obrigatórias e exigiram a instauração de « acolhida voluntária ».
 
Resta saber se os países da União Europeia vão continuar a reagir individualmente. Dentro dessa lógica, o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, que disse que seu país « não tem nenhum dever pois não foi ele quem provocou o caos na Líbia bombardeando Kadhafi ». Ele acrescentou que a Eslováquia pode acolher 200 refugiados, « mas unicamente cristãos da Síria ».
 
O problema é que o fluxo de chegada diária de pessoas totalmente desamparadas ultrapassa todas as previsões. Somente no mês de julho foram mais de 100 mil refugiados novos dentro da União Europeia.
 
Para Angela Merkel a solução da acolhida aos migrantes é « o próximo grande projeto europeu ». A Alemanha é agora a primeiro destino dos que chegam pedindo asilo: neste ano de 2015, serão 800 mil pedidos de asilo, quatro vezes mais que em 2014, que já era um ano recorde. Mais de 80% dos alemães pensam que esse é o problema principal do país e 60% pensam que a Alemanha precisa de imigrantes para enfrentar o problema demográfico e tem meios de responder a essa demanda. 
 
Apesar de ter um pastor luterano como presidente e uma chanceler filha de pastor luterano, a Alemanha não teme o chamado choque de civilizações que os neonazistas apresentam como um espantalho. Foram esses alemães xenófobos que fizeram do livro de Thilo Sarrazin « A Alemanha corre para o abismo » um best-seller. O panfleto alerta para a presença maciça de muçulmanos como o risco maior do país.
 
Países em guerra e países « seguros »
 
Entre os passos a seguir, a União Europeia deve estabelecer os países cujos cidadãos terão prioridade por se tratarem de países em guerra. Os oriundos dos chamados países considerados « seguros » não terão seus pedidos de direito de asilo acolhidos e serão enviados de volta. Segundo o jornal Le Monde, 40% dos pedidos de asilo são de pessoas originárias dos países dos Balcãs, considerados « países seguros ».
 
Por outro lado, a União Européia prevê ajuda a países como a Turquia, Líbano e Jordânia, que já abrigam milhares de exilados das guerras do Oriente Médio. Com esse auxílio, essas pessoas não serão tentadas a embarcar para a Europa, com riscos cada vez maiores de perecer nos barcos superlotados que chegam às praias da Sicília ou de ilhas gregas, muitas vezes com muitos cadáveres, alguns mortos sufocados por falta de ar nos porões. 
 
Isso quando não morrem afogados depois de terem vendido tudo o que possuem para pagar aos traficantes de ilusões, verdadeiras máfias que cobram uma média de 2 mil euros por pessoa para a travessia em barcos precários, superlotados e sem nenhuma segurança.
 
Esmagada por uma crise econômica e política, a Grécia não pode arcar sozinha com os problemas suscitados pela enorme chegada de migrantes. O comissário grego para a Imigração, Dimitris Avramopoulos, defendeu em entrevista uma solução comum a toda a Europa para a implantação de políticas « mais corajosas e que impliquem mais solidariedade e responsabilidade na acolhida dos migrantes ». Seu país vai propor um mecanismo permanente para a repartição dos migrantes. 
 
Quem sabe se, num élan de maturidade política e esforço coletivo, os países da União Europeia vão encontrar uma solução solidária e responsável ao problema dos que fogem de guerras muitas vezes estimuladas por interesses de países europeus e de seus aliados americanos, como foi o caso da Líbia, do Iraque e do Afeganistão. 
 
* Leneide Duarte-Plon é jornalista, trabalha em Paris e é co-autora, com Clarisse Meireles, da biografia de frei Tito de Alencar, Um homem torturado-Nos passos de frei Tito de Alencar.
 




Créditos da foto: Marina Militare

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