Álvaro Dias prevaricou?

Quando Ricardo Ferraço acusa Fachin de ter exercido ilegalmente a advocacia, por acaso está a sugerir que Álvaro Dias prevaricou?

Fábio de Sá e Silva - na Carta Maior
Lia de Paula/Agência Senado
Às vésperas da sabatina de Fachin para o STF, adiada já por uma vez, Brasília assistiu à emergência de inusitada controvérsia.
 
Nesta quinta-feira, 7, Ricardo Ferraço (PMDB–ES), obteve e distribuiu aos 53 Senadores da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, nota técnica de consultor da casa, segundo a qual o indicado ao STF teria exercido irregularmente a advocacia entre 1990 e 2006.
 
Para os detratores desta indicação – em posição difícil, depois que Fachin atraiu o apoio das vozes mais expressivas do direito, incluindo juristas orgânicos de setores críticos ao PT, como Ives Gandra e Miguel Reale Jr. – a notícia surgiu com ares de bala de prata.

 
Para quem acompanha a indicação há mais tempo, porém, referiu-se a questão antiga e já esclarecida por Fachin em outras ocasiões.
 
É verdade que a Constituição do Estado do Paraná, por ocasião de reforma em 1990, proibiu a procuradores estaduais a prática da advocacia.
 
É também verdade que Fachin assumiu o cargo de procurador pouco depois da promulgação da nova Constituição Estadual.
 
A questão, no entanto, não se resolve no plano do silogismo, como pretendeu o consultor do Senado ao qual Ferraço pediu sua nota técnica.
 
É que – como Fachin já teve a ocasião de esclarecer –, embora sua posse tenha se dado em meados de 1990, seu concurso foi iniciado em 1989. E foi realizado a partir de edital previa a possibilidade de exercício da advocacia privada.
 
Em casos como este, a jurisprudência do STF não deixa dúvidas sobre a prevalência do que havia sido previsto no edital, tendo em vista preservar as expectativas dos candidatos criadas pela própria administração.
 
Mais que isso, a verdade é que Fachin e seus colegas de concurso adotaram os cuidados necessários em função da curiosa situação em que se viram colocados pela mudança das regras no meio do processo seletivo.
 
Em consulta à OAB/PR, instituição à qual compete regular o exercício da advocacia (Lei Federal 8.906/1994 e CF/1988), o grupo obteve resposta de que não estava vedado ao exercício da advocacia privada, exceto em causas contra o Estado do Paraná.
 
Diante disto, todos receberam carteira com anotação apenas deste impedimento.
 
Forçoso reconhecer, portanto, que Fachin estava no mínimo amparado pela boa-fé
 
Afinal, se a OAB – a quem cabe decidir com exclusividade quando ocorre ou não o exercício irregular da advocacia –, havia lhe dado expressa autorização para exercer esta profissão cumulativamente ao cargo de Procurador do Estado, que dúvida poderia lhe restar?
 
Mais que isso: como destaca o jurista Marçal Justen Filho, autor de parecer sobre o tema, a pedido da Associação dos Procuradores do Estado do Paraná, esse entendimento nunca se restringiu aos assentos profissionais da OAB ou à consciência de cada um.
 
O assunto, que abrangia um grupo maior de profissionais, era publicamente conhecido e, diz Justen Filho, “pacificado” naquele Estado.
 
Rever agora um juízo de legalidade que vigorou por 25 anos, prossegue Justen Filho, seria atentar contra a segurança jurídica. E não apenas de Fachin, mas todos os clientes que ele representou, para não dizer de todos os atos que praticou em favor do Estado do Paraná.
 
E rever esse juízo apenas para o caso de Fachin, finaliza o parecerista, atentaria contra o princípio da isonomia: se, diante desses fatos, há suspeitas de ilegalidade no exercício da advocacia, ela deve ser perquirida em relação a todos aqueles que, aprovados no mesmo concurso que Fachin, como ele a exerceram.
 
É isso que querem sugerir Ferraço e seu consultor no Senado?
 
Se as explicações de Fachin e o parecer de Justen Filho não fossem em si mesmos suficientes, há outras razões pelas quais, neste caso, talvez fosse prudente render homenagem ao princípio da segurança jurídica.
 
É que o governador do Paraná quando do concurso de Fachin era ninguém menos que Álvaro Dias (PSDB–PR).
 
Se por acaso Fachin exerceu ilegalmente a advocacia privada a partir de 1990 – e sendo certo que não o fez em segredo, como destaca o parecer de Justen Filho – isso equivale dizer que Dias prevaricou.
 
É isso, mais uma vez, que querem sugerir Ferraço e seu consultor no Senado?


(*) Bacharel (USP) e Mestre (UnB) em Direito; PhD em Direito, política e sociedade (Northeastern University, EUA)




Créditos da foto: Lia de Paula/Agência Senado

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