Desembargador Valmir de Oliveira ao juiz Damasceno: “Vou estourar sua cabeça, seu filho da puta”

publicado em 6 de fevereiro de 2015 às 12:23
Damasceno e Valmir
Da esquerda para a direita: o juiz João Batista Damasceno e o desembargador Valmir de Oliveira Silva 

por Conceição Lemes - no Viomundo

Em 14 de setembro de 2014, nós denunciamos: Juiz defensor da liberdade de expressão é acusado mais uma vez de violar lei
O juiz é João Batista Damasceno, titular da 1ª Vara de Órfãos da cidade do Rio de Janeiro. Um magistrado que honra a toga. Defensor intransigente do respeito à Constituição, da democratização do Judiciário, dos direitos da pessoa humana, da liberdade de expressão e da livre manifestação dos movimentos sociais.
O acusador é o desembargador Valmir de Oliveira Silva,  que foi corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) de fevereiro de 2013 a 3 de fevereiro de 2015. Ou seja,  até essa segunda-feira.
O juiz Damasceno vive sob ataques constantes do desembargador Valmir de Oliveira Silva.

“Já perdi a conta das vezes que o corregedor tentou instaurar processo contra mim”, disse o juiz Damasceno, em entrevista a esta repórter em setembro de 2014. “Mas foram muitos assaques. Isso faz parte do jogo de poder. Não faz parte do jogo democrático e republicano.”
Assacar significa imputar caluniosamente, atribuir sem fundamento.
O desembargador perdeu todos no plenário do TJ-RJ.
Nessa quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015, o desembargador extrapolou todos os limites.
Por volta das 10h, o juiz Damasceno estava deixando o gabinete médico do Centro de Diagnose da Mútua dos Magistrados, quando encontrou o desembargador Valmir, sentado numa das cadeiras do hall de espera:
Ao me avistar, o Desembargador Valmir dirigiu-se a mim e ordenou: Damasceno, quero falar com você. Senta aqui!, apontando para uma cadeira posta de frente para a sua. Vendo que o desembargador estava descontrolado deixei de me dirigir ao elevador e tomei a escada que desce para a garagem. O desembargador Valmir seguiu-me gritando: “Vou estourar sua cabeça”, “Seu filho da puta”. Adiantei o passo na descida pela escada, sendo perseguido pelo Desembargador Valmir.
Esse relato consta da representação (na íntegra, ao final) que Damasceno fez imediatamente  contra Valmir  ao presidente do TJ-RJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho. A denúncia é “por perseguição, ameaça e tentativa de agressão a juiz por desembargador e ex-corregedor no interior do Fórum”.
À representação foi juntado este vídeo gravado pelo próprio juiz. Mostra ele sendo perseguido  pelo desembargador Valmir de Oliveira Silva. Desmente a versão  que circulou largamente na mídia – talvez distribuída pela assessoria de imprensa do TJ-RJ — de  que o doutor Damasceno apontara “uma pistola” para o desembargador.

Viomundo — Numa das nossas entrevistas, o senhor disse: “Já perdi a conta das vezes que o corregedor Valmir de Oliveira Silva tentou abrir processo disciplinar contra mim”. Nessa quarta, porém, o agora ex-corregedor tentou ir às vias de fato. Se ele não tivesse sido contido por funcionários do Fórum, ele o teria agredido fisicamente?
João Damasceno — Com certeza sim. Ele perseguiu-me do Centro de Diagnose, que fica no 1º andar do Fórum, até a garagem. Eu desci a escada às pressas, em fuga, evitando que me alcançasse. Só que, mesmo mais lento, ele me seguia. Temi que estivesse armado, pois me mandava parar e dizia que iria estourar minha cabeça.
Viomundo –  Como tudo começou?
João Damasceno — Quando saí do consultório médico, no 1º andar do Fórum, eu encontrei o desembargador Valmir sentado no hall. Ele se dirigiu a mim. Disse que queria falar comigo. Cheguei a dar uma meia parada para ouvi-lo. Falo com todos e não negaria o diálogo a ele. Além do mais poderia ser uma oportunidade para desfazermos mal-entendidos de uma relação institucional marcada por tantos desencontros decorrentes da diversidade de nossas concepções de vida.
Mas, em seguida ele me ordenou rispidamente que me sentasse numa cadeira à sua frente. Vi que não seria uma conversa. Então, sem falar qualquer palavra ou fazer qualquer gesto, segui em frente. Não fui em direção ao elevador. Para sair logo dali, tomei a escada que desce para o térreo. Foi quando vi que ele me perseguia e iniciei a fuga.
Viomundo — Ele literalmente o perseguiu. O senhor não teme ter o mesmo fim que a juíza Patrícia Accioli, assassinada a mando e por policiais que ela estava denunciando? O desembargador anda armado e suspeita-se de que ele tenha relações com as milícias.
João Damasceno — Não creio que eu corra o mesmo risco da juíza Patrícia Accioli. Ela presidia um tribunal do júri em São Gonçalo e com sua atuação incomodava interesses difusos de grupos distintos envolvidos em execuções.
Quanto ao corregedor, não tenho relações pessoais com ele. Logo, não posso afirmar sobre como ele se comporta em relação ao porte de arma. Mas, pelos corredores, diz-se que ele anda com mais de uma arma. Não posso confirmar isso. Também não sei de suas relações pessoais. Apenas sei, pelos seus posicionamentos, que é um magistrado com perfil bem conservador.
Viomundo –Pelo destempero dele nessa quarta-feira, se ele estivesse armado poderia ter ocorrido uma tragédia?
João Damasceno — Já que não ocorreu é bom nem aventar as hipóteses possíveis. Felizmente, eu tive o equilíbrio emocional suficiente para não empreender qualquer ato de defesa pessoal, a não ser o abrigo contra a agressão. Preferi a fuga escada abaixo e me refugiar numa sala no andar térreo onde havia pessoas. Hamlet, personagem de Shakespeare, diz que a reflexão faz de todos nós covardes. Mas é melhor refletir, tomar as decisões acertadamente e evitar danos maiores a nós próprios ou aos outros.
Viomundo — O senhor estava armado?
João Damasceno -- Estava, como relatei na representação dirigida ao presidente do TJ-RJ. Tinha uma pistola, mas jamais a apontei para ele, ainda que eu pudesse fazê-lo em legítima defesa.
Viomundo — O senhor tem escolta?
João Damasceno -- Depois da morte da juíza Patrícia Accioli, o Tribunal de Justiça instituiu a Comissão de Segurança Institucional e defere segurança aos juízes em risco. É pelo tempo que necessitarem de acordo com avaliações do órgão.
Viomundo — Por tudo o que o desembargador já fez contra o senhor, ele o odeia. Sabe por quê?
João Damasceno – No julgamento de uma das representações que ele ofereceu contra mim, a desembargadora Gizelda Leitão Teixeira, ao perceber que ele se levantara da cadeira para ir até a plateia onde eu estava para me agredir, o conteve. Ela me disse que não sabe a razão desses comportamentos do desembargador Valmir comigo. Ela chegou a usar a palavra fixação.
Viomundo – Alguma rixa pessoal?
João Damasceno  – A questão se transmudou para embate pessoal, mas o fundamento é a diversidade de concepção ideológica e filosófica. Acresce a isso a indevida hierarquização no âmbito do poder judiciário e meu comportamento pouco afeto a esses reconhecimentos.
Viomundo – Explique melhor.
João Damasceno — Não concebo o judiciário dividido em camadas hierarquizadas, pois implicaria afronta à própria independência judicial e  à liberdade de atuação dos juízes.
Isso pode soar como desrespeito por tradicionalistas que demandem tais reconhecimentos. Mas não é desrespeito. É apenas a afirmação da independência judicial e reconhecimento de que no âmbito do poder judiciário somos todos magistrados.
Respeito meus pares, sejam juízes mais novos ou mais antigos, por suas qualidades humanas, valores éticos, compromisso com a justiça e seus saberes. Igualmente aos serventuários, advogados e partes. O que não fui socializado é para as reverências e “rapapés” das cortes oligárquicas. Tenho até um tom de ironia com as afetações. Isso tudo junto pode ser o caldeirão para o desentendimento.
Em uma palestra afirmei que todo o poder emana do povo que é exercido por meio de representantes, mas também diretamente e que manifestações públicas são forma de expressão da democracia direta.
O agora ex-corregedor pediu-me explicações escritas sobre o que dissera, pois fora usada por terceiros em lugar diverso do que eu a havia pronunciado. Transcrevi a frase e para explicitar o que havia dito a repeti literalmente. E mais: disse que se tratava do parágrafo único do artigo 1º da Constituição e lhe mandei uma fotocópia da Constituição.
Do ponto de vista formal não há qualquer ofensa num comportamento desses. Mas, de acordo com as regras não escritas dos ambientes hierarquizados, é uma fonte de atrito.
Portanto, não sou vítima das circunstâncias. Meu posicionamento em prol da independência judicial e dos valores nos quais acredito é que me colocam em confronto com posicionamentos diversos. Mas, numa sociedade democrática, a diversidade precisa subsistir. E num tribunal, especificamente, as relações precisam ser civilizadas  e pautadas pela racionalidade própria do Estado de Direito.
Viomundo — O comportamento do desembargador Valmir é inadequado?
João Damasceno – Desde segunda-feira, ele é ex-corregedor,  embora se apresentasse como corregedor ao policial que guarnecia a porta da sala onde eu estava refugiado e mandava tomar o meu celular e apagar as imagens que eu gravava.
O comportamento dele foi indevido. Por isso representei contra ele por infração administrativa e pelo crime de ameaça, conforme comprova o vídeo que gravei.
Viomundo — O que o senhor espera agora do presidente do Tribunal e de seus pares?
João Damasceno — Eu sigo confiando na justiça e a cada dia tenho mais respeito pela maioria dos magistrados do tribunal que componho. Eventual erro pode ser corrigido por vias recursais e eu conheço os caminhos. O fato é lamentável. Ainda que se trate de um evento específico, serve para o ataque ao poder do Estado encarregado de dizer o direito, administrar a justiça e garantir os direitos fundamentais.
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