No domingo (25) terminaram as eleições de quatro dias para o Parlamento Europeu (PE). Análises radicais apontam à ascensão da extrema-direita, como a Frente Nacional, da França, e a Alemanha, onde os neonazistas do Partido Democrático Nacional conseguiram um assento. Já em Portugal, a Coligação Democrática Unitária (CDU), de esquerda, conquistou outra vaga. Ponderações sobre os resultados abrangem frustrações populares com políticas de arrocho impostas inclusive por forças ditas “socialistas”.
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A média de participação europeia ficou em 43%, ainda considerada baixa.
As eleições para o legislativo da União Europeia (UE) envolvem questões de fundo no debate sobre a organização. Para uns, o bloco deve tornar-se uma instituição supranacional, que tenha caráter de governo, quase como uma “federação” europeia.
A média de participação europeia ficou em 43%, ainda considerada baixa.Outros opinam, ainda antes do assombro das medidas de arrocho impostas pelos credores internacionais da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), que isso significaria a rendição das soberanias nacionais ao imperialismo dos países europeus mais fortes, como a Alemanha.
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No contexto da crise internacional, que eclodiu em 2007-2008, mas ainda mantém efeitos trágicos sobre as economias e os povos de diversos países (Portugal, Itália, Espanha, Grécia e outros do leste europeu, principalmente, mas até da França e do Reino Unido), este debate mostra-se central. As receitas para a “saída da recessão” profunda em que vive o continente têm mergulhado os europeus na pobreza, enquanto as grandes fortunas expandem-se.
Neste sentido, forças de esquerda como a CDU portuguesa defendem a participação nas eleições para o Parlamento Europeu justamente como forma de combater o avanço das medidas de arrocho já institucionalizadas em grande parte dos países que recebem “pacotes de resgate” financeiro da troika, em troca de reformas destrutivas e ataques profundos aos direitos sociais conquistados pelos trabalhadores.
Além disso, “apesar de mudanças no sentido de imiscuir alguma representatividade democrática no fundo do túnel muito escuro da autocracia mercantil e da arbitrariedade bancária, o Parlamento Europeu pouco parlamenta,” escreve José Goulão, diretor do jornal internacional e online Jornalistas sem Fronteiras. Goulão refere-se às atribuições do PE, que não elege os cargos executivos da UE e não possui iniciativa própria para legislar – o que faz é opinar, aprovar ou mudar propostas de lei da Comissão. Goulão enfatiza: “O Parlamento Europeu não decide, recomenda; não demite, adverte; não bloqueia, adia.”
Resultados variados
Assim como no Portugal de José Sócrates, primeiro-ministro até 2011 pelo Partido Socialista (PS), na França do presidente François Hollande, também de um PS, o cumprimento das ordens da troika pelo arrocho e pela agressão às políticas sociais leva muitos a verem as legendas com ceticismo.
O progesso da aliança de esquerda Coligação Democrática Unitária (CDU) entre o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecológico "Os Verdes" (PEV) é significativa, neste contexto, com três assentos conquistados. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, assinala que o resultado da CDU é a "vitória da confiança e da esperança."
Já para os franceses, o avanço foi da extrema-direita. O partido de Marie Le Pen, Frente Nacional, conquistou 26% dos votos, em comparação com os 20,6% da União por um Movimento Popular (UMP) – da qual o ex-presidente Nikolas Sarkozy já foi líder – e os 13,8% do Partido Socialista de Hollande, que atingiu um recorde negativo.
No caso da Alemanha – que se apresenta como a mandatária nessa situação e na formulação das políticas europeias, através da figura forte de Angela Merkel – a situação de insegurança social também existe. O Partido Democrático Nacional (NPD), neonazista, tem ganhado espaço interno e, nas europeias, conquistou um assento no Parlamento pela primeira vez. A questão é alarmante porque o domínio já é exercido pelo partido de Merkel, União Democrata-Cristã (CDU), da direita liberal-conservadora, em coligação com a União Social-Cristã da Baviera (CSU).A Alemanha enviará o maior número de deputados ao PE, 96, majoritariamente do partido de Merkel. A coalizão CDU-CSU, ainda assim, reduziu sua representação de 42 para 35 cadeiras, com a pior fatia dos resultados atribuída à CSU. A ascensão é garantida ao Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), que se apresenta como de centro-esquerda. Seus votos garantem o aumento de quatro deputados no PE, passando de 23 para 27.
Na Espanha, o Partido Popular (PP) de direita - liberal-conservador e que está no poder, com o presidente do Governo espanhol Mariano Rajoy - recebeu 26,06% dos votos, ou 16 assentos, apesar de liderar um dos regimes de arrocho com resultados mais extremos na Europa, em um país que vê as taxas de desemprego e empobrecimento baterem recordes. Logo atrás do PP, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) recebeu 23% dos votos, com 14 de 54 assentos. A abstenção espanhola foi de 54,16%.
Na Grã Bretanha, o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip) - de direita e resistente contra a UE, ou em oposição ao processo de integração - ficou à frente, com 27,49% dos votos, e o Partido Trabalhista, de centro-esquerda, ficou em segundo lugar, com 25,4%, e compõe o bloco Socialistas e Democratas, o segundo maior no PE.
Na Dinamarca, os resultados também foram favoráveis à extrema-direita, com o Partido Popular Dinamarquês dominando a maior fatia do país no PE e dobrando sua representação, de dois para quatro deputados. Na Finlândia, outro partido de extrema-direita, o Partido dos Finlandeses, conseguiu dois assentos, com 13% dos votos (menos do que o conquistado nas eleições nacionais, 19%) e o conservador Coalizão Nacional, no governo, ficou à frente, com 22% dos votos. Mas, segundo o jornal britânico The Guardian, os países nórdicos enviam mais representantes denominados "céticos" com relação à UE.
Na Grécia, o Syriza, de centro-esquerda, conduziu o setor a uma vitória sobre os dois partidos que disputam tradicionalmente o poder, atualmente na coalização de governo: o Nova Democracia, conservador, e o Pasok, socialdemocrata. Os neofascistas da Aurora Dourada conseguiram cerca de 10% dos votos.
O Syriza tem como bandeira principal a posição anti-austeridade e seu líder, Alexis Tsipras, convocou o país a exigir eleições gerais imediatamente, já que o resultado, que deu ao seu partido 4% a mais de votos em comparação com o partido da Nova Democracia, do primeiro-ministro Antonis Samaras, mostra uma rejeição às políticas de arrocho impostas aos gregos. Muitos protestos têm sido organizados contra as medidas de austeridade impostas pela troika de credores internacionais e contra o imperialismo alemão de Angela Merkel (como o da foto ao lado).Participação e questionamento do projeto europeu
Passados cinco anos da explosão da crise, com recessão persistente e arrocho rompante, que têm mergulhado os europeus em um fosso social crescente, os resultados expõem uma Europa dividida, fragmentada entre a rejeição contra a “austeridade” e a frustração com alguns líderes que poderiam representar a alternativa, em países como a França.
Entretanto, o receio pela ameaça de abstenção em massa não se verificou completamente. Na Alemanha, embora a participação tenha sido menor que a metade da população eleitora, representou um aumento de 5% em comparação com as últimas eleições, somando 47,9%.
Embora a abstenção não tenha sido tão expressiva quanto o esperado, a média de participação no conjunto dos países ficou em 43%, ainda considerada baixa, sem aumento expressivo com relação às últimas eleições, em 2009. Isso pode ser considerado um símbolo do questionamento sobre a legitimidade do Parlamento, que recebeu mais poderes recentemente. Além disso, mais análises enfatizam que a representatividade daqueles que se opõem ao projeto de uma UE é crescente.
“A União Europeia que existe – e não vamos sequer discutir o modo como foi parida –“, escreve Goulão, “é uma tenebrosa estrutura de poder autoritário, uma monstruosa distorção da democracia (...). É contra isto que temos de votar. Com a consciência absoluta de que só isso não chega.”
Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho,
Com informações de jornais europeus
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